Sólo una escena (4)

"Ele decidiu escrever tudo que lhe passasse pela cabeça então andou e se fez notar pelas calçadas, pelas calças que vestia e pelas passadas performáticas que suas pernas lentas traçavam ao andar. Se fazia notar, mas não deixava que notassem que seu "se deixar notar" era notório. Notável. Notou e anotou por onde andou que o perigo veste as mesmas grifes que o cuidado, e também que o cauteloso morreu atropelado, ali, não deste, do outro lado, do mesmo lado que morreu o apressado. Maravilha. Sentiu saudade do brilho do asfalto molhado enquanto via que hoje ao céu azul o dia pertencia, e que a grande estrela brilharia até que tudo cedesse ao breu, ao frio e aos arrepios virís, porém inofensiovos, que a noite traria. A noite. Longas para os casais enamorados que terão os milagrosos par de pés alheios, que mesmo gelados esquentarão aos seus, e terão à quem dizer "boa noite", e ouvir um boa noite também, ao pé do ouvido, de uma boca com aroma de alcool e uvas; de vinho enfim; para que tanta cena, afinal? Longas também para os gatos da madrugada, e para os homens que buscam das ruas, e sempre conseguem, à cada noite, aquilo que esperam dela, e aquilo que ela pode oferecer, o vazio. Teremos todos o consolo no fim. Teremos o sono, e o amanhã não tardará, muito menos se acanhará; virá mais firme e derradeiro do que qualquer um de nós pode ser. Deitou, e no silêncio que instaura-se, sempre, no fim, pensou e temeu que amanhã viesse um dia em que seu dia não terminaria, sua vida se consumiria, e ele descobriria que talvez não haja sentido em escrever palavras rimadas em sequencia nada para além dos sete palmos. Ou talvez descubra que seu espírito é eterno, e seu corpo era apenas um casulo. Talvez ele apenas sonhe e viva o dia de amanhã. Ou talvez tudo acabe como terminam as mais belas poesias, com a frieza do ponto final. Quem morrer verá."