A pior coisa é a liberdade. A liberdade de qualquer tipo é o pior para a criatividade. Quando estive dois meses na prisão em Espanha, esses dois meses foram os que me deram mais gozo e os mais felizes da minha vida. Antes de ter ido para a prisão, estava sempre nervoso, ansioso. Estava sempre em dúvida se deveria fazer uma pintura, ou talvez um poema, ou se deveria ir ao cinema ou ao teatro, ou ir ter com uma rapariga, ou ir brincar com os rapazes. Mas puseram-me na prisão, e a minha vida tornou-se divina. Tremenda!

Salvador Dalí.
"Certo dia um destes senhores muito ricos e bem apessoados viu, num antiquário, uma cadeira que era uma beleza. Negra, feita de mogno e cedro, custava uma fortuna. Era, porém, tão bela, que o homem não titubeou - entrou, pagou, levou para casa. A cadeira era tão bonita que os outros móveis, antes tão belos, começaram a parecer insuportáveis ao simpático senhor. Ele então resolveu vender todos os móveis e comprar outros que pudessem se equiparar à maravilhosa cadeira. E vendeu-os e comprou outros. Mas, então a casa que antes parecia tão bonita, ficou tão bem mobilada que se estabeleceu uma desarmonia flagrante entre casa e móveis. E o senhor começou a achar a casa horrível. E vendeu a casa e comprou uma outra maravilhosa. Mas dentro daquela casa magnífica, mobilada de maneira esplendorosa, o homem começou, pouco a pouco, a achar sua esposa um tanto quanto mesquinha. E trocou de esposa. Mas mesmo assim não conseguia ser feliz. Pois naquela casa magnífica, com aqueles móveis admiráveis e aquela esposa fabulosa, todo mundo começou a achá-lo extremamente vulgar."

(Trecho adaptado do livro "Pif-Paf" de Millôr Fernandes).
O homem se torna autêntico quando aceita a solidão como o preço da sua própria liberdade. E se torna inautêntico quando interpreta a solidão como abandono, como uma espécie de desconsideração de Deus ou da vida em relação a ele. Desse modo não assume responsabilidade sobre as suas escolhas. Não aceita correr riscos para atingir seus objetivos, nem se sente responsável por sua existência, passando a buscar amparo e segurança nos outros. Com isso abre mão de sua própria existência, tornando-se um estranho para si mesmo, colocando-se a serviço dos outros e diluindo-se no impessoal. Permanece na vida sendo um coadjuvante em sua própria história. Você já pensou nisso?
"Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis." (Almeida Garrett, in 'Viagens na minha Terra')

"As pessoas cujo desejo é unicamente a auto-realização, nunca sabem para onde se dirigem. Não podem saber. Numa das acepções da palavra, é obviamente necessário, como o oráculo grego afirmava, conhecermo-nos a nós próprios. É a primeira realização do conhecimento. Mas reconhecer que a alma de um homem é incognoscível é a maior proeza da sabedoria. O derradeiro mistério somos nós próprios. Depois de termos pesado o Sol e medido os passos da Lua e delineado minuciosamente os sete céus, estrela a estrela, restamos ainda nós próprios. Quem poderá calcular a órbita da sua própria alma?" (Oscar Wilde, in 'De Profundis')
Apodreço, logo existo.

É sábio se desapegar de si próprio, parar de se idolatrar e se vangloriar. Isso não significa descuidar do corpo e da mente, apenas aceitá-los como provisórios, instáveis, incertos e insignificantes para a complexidade do universo. Esforçar-se para enfrentar a existência com menos hipocrisia, orgulho e vaidade é uma tarefa extremamente árdua e triste. Não sei qual o resultado pois não sou um vencedor neste tipo de batalha contra estas características sociais auto-impostas nas nossas relações cotidianas, mas presumo, do alto do minha racionalidade limitada, que o resultado seja o silêncio e a inércia.