Pensas se esconder muito bem, suponho. Pensas que sua atuação é esplendorosa, por ser aplaudida; comentada. Ainda esforça-se pra sustentar o personagem? Ou já chegou no ponto em que confunde-se? Em que não sabe mais se é ventríloco ou boneco.

Não me importa seu figurino. Esse vestido, ou essa gravata. As cores no seu rosto, esse sorriso amarelo, andar orquestrado, seus acenos à ninguém. Quando olho, ainda vejo sangue e carne. Vejo dor e medo. Fuga. Vejo a você. Mesmo que talvez nem você se veja mais.

Os muros que erguemos, nos quais pusemos tanto tempo e energia, são altos, e só me dão pena. Porque escalá-los é cada vez mais difícil, mais cansativo, demorado. É um trampo. Que às vezes parece mais fácil ficar apenas andando entre as muralhas, só.

Mesmo sabendo que atrás de cada uma delas está alguém. Só mais um alguém, igual a nós, que quer ser olhado nos olhos; ao menos por uma tarde inteira.


Passara tempo de mais na adega. No porão impecavelmente limpo repousavam seus vinhos, e ele. Estava obcecado. Morreu a mulher no sofá da sala. Ficou lá. Os gatos foram embora. Ficou o velho; e os vinhos. Tinha medo de abri-los e achar vinagre. Mas tinha vontade.

Um dia abriu um. Era vinagre. Abriu todos. Vinagre. Chorou no chão, ensopado em vinagre. Lamentável.

Decidiu subir.

Lá fora, ouviu um menino gritar: "Que alívio!"

Saiu.