- Porque você me chamou aqui, afinal?
- Olha só, eu só estava pensando em talvez tomar um café e ficar em silêncio com você um pouco.
- E de quê nos adianta isso?
- De nada, ora! Apenas gosto de ter você aqui um pouco.

O silêncio dá as caras por alguns segundos.

- Qual é a sensação de saber que ninguém precisa de você?
- Você tem um cigarro? O meu acabou ...
- Sim, claro!

Ela tira um cigarro amassado do maço e entrega-o a ele, que demora um pouco para reagir. Depois de alguns segundos estático ele pega o cigarro e o coloca na boca.

- Ah, sim! Obrigado!

Ele acende o cigarro e retoma a conversa, enquanto o cigarro balança na boca.

- O que era mesmo que você queria saber?
- Qual é a sensação de saber que ninguém precisa de você?
- Não sei... Não tenho essa 'sensação'.
- Ontem mesmo você disse que sabe que ninguém precisa de você.
- Ah, sim! Mas isso não quer dizer que me cause algum tipo de sensação. Certo?

O silêncio retorna, agradável.

- Não faz essa cara!
- Que cara?
- Essa!
- O que tem a minha cara?
- Eu, sinceramente, não consigo entender você.
- E porque diabos você tem essa mania de querer entender as coisas? Você é engraçada!
- Não sei, ora. Só queria saber o que se passa aí dentro.
- Nada de mais, só quero tomar um café e ficar em silêncio com você.

Ela se cala.
Ele se cala.

O silêncio é auto-explicativo.
A criança que há em mim traz consigo um estilingue na mão, e pedras no bolso.
E o velho que há em mim traz as mãos sem nada nos bolsos vazios e furados.
Se suas mãos falassem elas diriam muito mais sobre você do que a sua boca cretina.
Quando for escrever alguma coisa sobre você, não pense. Apenas escreva do ponto de vista das suas mãos.
De mel, se faz o favo;
não de abelha, nem de cera.
o chão se faz poeira;
a criança, brincadeira;
e o papel, que é de madeira?
Tem gente que vê céu,
e se faz asa;
mesmo que seja de papel.
E tem gente que caminha,
com mania de destino.
Eu só vejo, e aí rimo.
Que ver é poesia.
Entre um copo de café amargo e metade de um cigarro, com o olhar perdido, focando ora o calendário, ora a rachadura na parede, a gente acaba pensando sobre as coisas. Parece que a cabeça, por si só, joga uns assuntos na mesa pra que você os vasculhe, e pense a respeito. E são assuntos de extrema importância eu diria. Como esse negócio de as pessoas preferirem sempre o Verão, ou o Inverno. Tem ainda os que admiram a beleza das flores na Primavera e tudo mais. Geralmente são pessoas que não sofrem de renite alérgica. Mas eu prefiro o Outono. Porque não tem nada no Outono. Nem frio, nem calor, nem renite. Ninguém nunca nem lembra do Outono. As pessoas só lembram do Outono quando pedem pra elas quais as quatro estações do ano. Só que mesmo assim, o Outono é sempre o último a ser lembrado. Com toda a certaza a maioria das pessoas diria Verão, Inverno, Primavera e, aí sim, Outono. Mais ninguém nem sabe quando é que começa ou termina o Outono. Tenho certeza disso, ninguém sabe essas coisas. E é por isso que eu gosto do Outono. Ele está sempre por aí. A cada maldito ano, sempre no mesmo lugar, do mesmo jeito, na mesma quantidade de tempo que as outras estações. Mas não há um infeliz nesse planeta que se lembre o que fez no Outono! Meu paraíso artificial é, definitivamente, o Outono. É como se ele fosse o ponto cego no ano. Não tem nada no Outono. Dá pra acreditar num troço desses? Nada!
Ah! O Outono! A história da minha vida!
06 de Junho, 1990

Pedro, querido amigo, desculpe pelo susto se é que foi você que me achou assim. Não dava mais! Não podia subir ao terraço ou coisa assim. Avise minha mãe, por favor, e entregue isso a ela.

Mãe, faz tempo que não te peço nada, e só peço agora porque sem a senhora não conseguirei fazer sozinho, dê tudo que é meu, o plástico e a carne, por favor, eu suplico por isso! O resto mande cremar. POR FAVOR! REALMENTE SUPLICO A SENHORA!
Não consigo viver assim, sabendo o que fazer, como fazer, me compreendendo tão a fundo como estava me compreendendo e mesmo assim não conseguindo tomar uma atitude que valha. Diga a Janete que se nunca quis ficar com ela foi porque, de certa fora, sabia que isso uma hora ou outra ia me acontecer, mas diga que sempre soube e chorei por não poder aceitar o seu amor. Minha cabeça estava me levando longe demais, longe! Eu não podia suportar esse tipo de cadeia que eu vivia até dentro de mim mesmo, imagina então fora. Sabe que sempre fui movido a sentimentos e sensações. Estava no fundo!
Sei que se Deus, seja lá como se compreenda a idéia de 'deus', tem tamanha misericórdia e é justo como dizem, ele é provavelmente a 'pessoa' mais de acordo com esse ato que tomei.
Por favor, não chore, pois se em algum momento pensei em desistir disso foi de imaginar a senhora chorando mãe, não faça isso! Eu te amo! Vou estar no colo de algum Anjo, ou coisa que o valha, e ele vai me abraçar eternamente, um abraço sem intenções ou malícias, ou buscando um jeito de tirar proveito da bondade, só um abraço silencioso e sincero. Acredite nisso, como acredito!

Um beijo feito só de AMOR! Que é tudo o que sempre levei trancafiado comigo ...

Carlos
Houve um dia em que acordei do inconsciente;
Me vi num quarto escuro.
Procurei, jovem, pelo interruptor, por uma vela;
Procurei um fósforo que fosse.
Uma luz qualquer, algo que tivesse brilho próprio;
Procurei algo que me mostrasse o que enxergar.
Procurei, também, ainda jovem pelo trinco, a fechadura;
Procurei chaves.
Nada; Não hava nada lá. Era eu e o quarto escuro.
Sem respostas, talvez até sem perguntas.

Sozinho, no escuro, decidi inventar, criar e mentir.
E, assim, fiz um mundo inteiro dentro do nada.
Fiz amigos e inimigos. Amei e odiei.
Venci, perdi, debati, detestei, acreditei e fui enganado.
Tudo ali, no que eu fiz e acabei por acreditar.
Fiquei velho.
E nem percebi que esqueci de procurar a luz.
Vivi na ilusão, por medo da verdade.
Até que ela veio, e num sopro tudo fez-se pó.

Essa é a história de uma raça inteira.
Escrever é transpirar;
É jogar
pequenas nuvens no ar.
E ver é o que quiser?
Talvez. Que seja;
Não há beleza
na certeza.
Mas cegar é a fortaleza;
É refúgio da fraqueza.
E ser?
É estar, é saber?
É compreender?
Não sei.
Sei que nada é entender;
Tudo só é!
E ponto.
Até onde eu vou andar?
E o quanto vou saber?
Antes que o tempo me leve;
Até que eu saiba morrer.
E se levar,
sem que eu possa saber,
vou te contar com o vento,
ou talvez te conte só lá.
Mas e se eu ficar,
e tiver tempo pra ver?
Não sei se quero saber...
O jeito é ficar.
Esperar.