(...)

O silêncio é, e será, sempre, um amigo fiél,
que compartilha, sem se cansar
toda a serenidade e a sabedoria,
infinitas ao homem.
Mas é, também, por demais, egoísta;
tem por preço a solidão.
Então o homem se entrega à tentação da boca;
essa cobra!
Curiosa.
Te promete os prazeres humanos,
desde que, na fala, você expresse
o que na cabeça se passa.
Mas, volta e meia ela te trai;
e dá com a língua nos dentes.
Morre, assim, o homem, pela boca.
Talvez por isso
a alma, refém dos caprichos da carne,
nunca chegará ao seu esplendor.
Memória

Tenho a memória de um senhor com Alzheimer;
ou de um adolescente viciado naquela maconha ruim que vem de Guaíra;
tanto faz. É fraca.
É um tanto quanto triste.
Eu não lembro da minha vida.
Eu não tenho uma memória se quer, de um dia inteiro, de mais de cinco anos atrás.
Nenhuma.
Só alguns flashes radiculamente pequenos.
E não é que minha vida tenha sido um espetáculo ocioso.
Não foi também uma orgia de sensações o tempo todo,
mas houve uma vida, entende?
Aí eu olho pro documento, e não acredito no tempo de vida que ele afirma que eu tenho.
Alguém deve estar me sacaneando, não é possível.
Basculante

Em tempos como este,
que até a fumaça tem hora e lugar,
acendo um cigarro às escondidas
na janela do hospital;
hoje em dia, quase um pecado capital;
pena de morte;
decapitação;
ou pior,
demissão.
Que culpa eu tenho, afinal?
lá fora a chuva, aqui dentro o vício.
Dentro desse peito doente e cinzento.
Nesse muquifo; hospício.
vou já 'podrecendo, bem antes do aposento.
Que seja, o que for. Me abstenho.
E me atenho, com fervor, à esse instante;
que se faz, agora, bastante interessante.
Intrigante; rimas à parte, se faz cômico.
Sopro, a fumaça, basculante à fora,
e o vento, travesso, a sopra pra dentro.
Agradeço ao dia por este momento.
Degradê

Quem me fala sou eu, que converso comigo;
eu, meu amigo, do silêncio no ouvido.
Fala sem pudor, sem o muro da língua,
onde esbarra, por vezes, a verdade sucinta
que, à mim, acenta, e acalenta, 
mas que no ouvido d'outro dói,
e lateja atrás dos tímpanos;
por mais que não seja mentira,
vira
completa ziquizira.

Quem me dera saber se, algum dia, alguém
vai saber o que eu sei, mas não disse à ninguém.
Saberão, ao menos, da moça dos olhos degradê
Nos quais perdi passados
e achei futuros; com muito gosto.
Procurei. E quem diria?
Eu que, em mim, e comigo, pensei,
rezei e esperei, escondido me achei
onde não pensava estar:
Nos olhos de alguém; que não era eu.
Esvoaçar
  
Ei, moço do giz
do jaleco?
do apagador?
É, o senhor! Por favor,
sou criança,
não me aborreça,
não me enlouqueça.
 
Me deixe ser antes que,
assim,
como você,
eu me esqueça.
Me solte, de pincel na mão
não pregue minhas asas no chão.
 
Pinta, tinta;
leve, voa.
Pinga, pinga;
escorre, assoa.
E assovia quando ver
o passarinho que quer ser.
 
Voar!
Que não seja o que me dizem que é,
que de impossível já me basta ser pra sempre;
coisa de gente, que mente, mente, mente;
inteligente que não sente, sente, sente
me passa o pente, mãe, que eu eu cresci,
e cabelo, como eu, tem que estar no lugar.
 
E agora,
que o vento já não sopra mais?
Crescer é viver, não sonhar.
É pentear, e, não mais,
deixar esvoaçar.
AMO

E eu que achava que não sabia mais chorar.
Escrevi até uma música, que depois virou poema, sobre isso.
Escrevi para a minha avó, depois do enterro dela.
Escrevi pedindo desculpas por não saber chorar.
Hoje eu chorei; fiquei surpreso; mas não muito.
Hoje me senti mal.
Mal de um jeito que não me sentia a tanto tempo que nem me lembro quando foi a última vez que me senti assim.
Estou com ânsia de vômito, azia, aftas. Não posso mais beber destilados. É um fato. Preciso assumir.
Estou com dor de cabeça. Muita. Parece que uma artéria vai explodir antes que eu acabe esse texto.
Amo ela. Estou com saudades dela. Mas não consigo ficar perto dela. Sendo que ela é quase minha vizinha.
Maldito mundo moderno! Mundinho merda! (Chico Anísio - Monólogo Mundo Moderno)
É meio dia, estou sem fome. Completamente sem fome.
Tenho sede. Fato.
Não consigo trabalhar. O que não é lá também um mal negócio se for ver.
Só escrevo.
Porque me faz sentir útil, vivo e provido de sanidade mental.
E amo.
Estou dominado pelo amor. Dominado. Ele é a rédea e eu o cavalo manso.
Sou sentimental. Sou mesmo. Sempre fui e continuarei sendo até o dia que houver esse corpo na Terra.
Já aprendi a importância do amor, da verdade e da capacidade de aceitar quem você é. Isso já me vale toda a vida. Sem dúvida.
Amo muito. Muito mesmo. Isso sim é fato. Preciso da presença, do afeto. Senão me sinto assim. Mal.
Hoje é um daqueles dias que você não sabe se diz que não queria ter acordado, ou se queria que acabasse logo.
Não sei.
Estou mal. Depressivo. Estou num momento no qual um suicída se deliciaria.
Exagero?
Só quem pode saber se é, ou não, exagero, sou eu.
Mas estar morto não resolveria nada.
Resolveria tudo na verdade. Mas nada ao mesmo tempo.
E o que eu quero é tão simples.
Tão simples, meu Deus!
Mas hoje em dia o simples sai caro.
É complicado simplificar.
Coisa de gente.
Entende?
Sei que entende.
Hoje, inclusive, só quero isso. Amor. Como o saudoso Tim Maia sempre pregou.
Amor e só. O resto é pó.
Bonito isso.
Mas agora, explicitamente agora, só queria dar uma sumida e fumar um cigarro. Nada muito dramático, coisa de alguns minutos apenas.
É isso.
Só preciso chorar mais um pouco, dormir muito e, depois, sumir.
Aí voltarei, purificado, filtrado, de novo, para a vida.
Muito amor à todos que são capazes de sentí-lo, assim como sinto.


(:
Paz
 
Paz?
Não pode haver paz.
Não neste século.
Ou, pelo menos, não essa paz.
É fácil falar em paz antes de se levar um tapa na cara.
É fácil falar em paz antes do seu pai levar um tiro na cabeça.
É fácil falar em paz antes da sua filha ser estuprada por um padre.
Que o acaso o livre disso.
Antes você do que eu.
Mas que o acaso o livre disso.
Mas se não livrar, aí você terá o alvará para falar em paz.
E não vai ser fácil.
Isso, tendo em vista só esse contra-ponto da paz.
Que é a violência.
Mas ninguém pode estar em paz nesse mundo.
Não dependendo do relógio, do cartão de crédito e da geladeira.
Não.
De que entendemos, nós, de paz?
Nós.
Hipócritas.
Pseudo-vivos.
Falsos-humanos.
Cidadãos. Direito e deveres. Que babaquice.
Escritores que garimpam no asfaldo à procura de palavras.
Atores esmiuçando obras de séculos passados à procura de futuro.
Músicos. Quê músicos?
Nós sofremos da pior das pestes e pragas que já assolaram a Terra.
Sofremos do pior dos cânceres.
Do pior dos sofrimentos.
Sofremos sem ter do que sofrer.
Mais.
Sofremos por não ter do que sofrer.
Somos a mentira.
A geração inútil.
O tempo perdido.
Para o acaso, um descaso.
Para o tempo um atraso.
E Deus, de nós, faz pouco caso.
Predadores de meia tigela.
Sem presas, sem garras, sem asas.
Nos gavamos do cérebro.
Mas nos cagamos de medo usá-lo.
Peixe de aquário que, no relfexo, pela difração
se vê tubarão.
Tubarão que se afoga em mar raso.
Pá furada.
E falamos em paz.
Que venha o caos, irmãos.
Então, depois, falaremos em paz.