Sólo una escena (2)

"Estávamos loucos; e a percepção começava a se alargar, e se alongar junto com os campos de trigo iluminados pelos faróis do carro atravessado na estrada. Estávamos aos berros, quando demo-nos por conta, tentando desvendar à todo custo qualquer coisa, sobre qualquer fragmento do complexo modo como a cruel realidade nos deixa vidrados com sua inerente beleza. Argumentávamos, mas não queríamos explicar o mundo enquanto movíamos nossas bocas deliciosamente azedas de conhaque, queríamos abocanhá-lo; engoli-lo; e depois regurgitá-lo novamente, para que outras noites como aquela tivessem a possibilidade de existir. Nossa euforia decorria do prazer que sentíamos em não saber o que nos aguardava nos passos ainda não dados. Decorria da sensação única de se ter dúvidas e, de algum modo, sentir que há respostas, mesmo tendo a certeza de que ninguém, nunca, as conhecerá. Nossa euforia decorria da fuga; fuga de quem tem pernas, mas não tem rumo. Pois quando algum tipo de estrada (leia-se rumo) se estende à sua frente, já não se há mais a instiga do correr, do descobrir, há somente uma linha reta, numa realidade na qual quem segue um caminho, colocado lá de antemão, perde-se nos incríveis males da falsa sensação de segurança. Nós não queríamos saber de segurança, éramos seres inconsequentemente corajosos demais, ou pelo menos queríamos ser vistos como tais. Queríamos ficar bêbados para termos a sensação de que não éramos como os outros, que não precisaríamos, amanhã, levantar cedo e vender nosso tempo, nossa saúde física e mental, nossa vida, por pedaços de papel com a algum bicho estampado neles. Amanhã seríamos, novamente, seres humanos estuprados, e corrompidos; mas hoje estávamos tendo a ilusão - apenas mais uma das muitas -  de que tínhamos o controle, tínhamos a energia e a juventude;  e de que o tempo, infinito aos olhos inconscientes do nosso subconsciente, jogava à nosso favor. Tínhamos a maravilhosa sensação - por mais que passageira e, sobretudo,  ilusória - de que éramos capazes de domar o abismo enorme que existe em nossos corações imperfeitos."