Le Socian

    A amizade é controversa, mas paciente. Quando você e algumas pessoas viram um bando, literalmente um bando, acontecem coisas de fora pra dentro e de dentro pra fora que você jamais conheceria andando sozinho através da madrugada contando lajotas. Descobrem-se sentimentos. Aprende-se a lidar com a intensidade das coisas. Vê-se poesia na filosofia. Questiona-se a vida. Se aceita a morte. Acende-se a arte, e essa, que agora se encontra marginalizada por mim mesmo, que lutava para defender seu valor da forma que podia, preenche a existência com a verdade, a inútil verdade da vida. Arte, o retrato mais fiel possível da realidade.
    Um bando que foi, sempre será. O bando é um grupo baseado no comunismo, não explícito, mas implícito, imperceptivelmente implícito. Talvez tenha chegado um ponto em que o grupo tenha se tornando um limite para os indivíduos, para a expansão e para a expressão pessoal dos indivíduos. Num bando não se pode ir para o lado esquerdo ou direito sem todos irem junto. Então ou se limita, ou se separa. E seres humanos como aqueles jamais se limitariam por muito tempo. Separados tiveram espaço para degustar da liberdade individual, e crescer como pessoa buscando os horizontes que antes lhes estavam, de certo modo, inacessíveis devido as ligações, já desgastadas, formadas num passado que já não condizia mais com o presente.
    Mas a vida é estranha! Sozinho, buscando seu espaço, às vezes tudo parece estar correndo bem, indo pelo caminho certo, para um rumo certo, mas, mesmo assim, de certa forma, você sente como se aquela não fosse a sua vida; como se aquele não fosse você. É o vazio que se instala nos dias. Não se sabe mais se passou um dia, ou se foram semanas, a rotina já te assegurou a incapacidade de ver a utilidade e sentir o prazer da luta vã. A rotina preencheu teu vazio com o ócio, e sussurra para você "Acomode-se, meu rapaz! Acomode-se..." Mas e quando você sabe que és um daqueles que não se acomodaria nem aos berros? Faz-se o quê?
      Munido de saudade e esperança, tenho fé; e espero.
Espero(ança)

Que os sonhos sejam sonhados juntos.
Que a realidade seja vivida junta.
Que se veja um no outro, um horizonte.
Que um seja fonte de esperança para o outro.
Que quando as mãos se procurarem,
elas sempre se encontrem.
Que o abraço tire dos ombros o peso do dia.
Que o beijo tire da cabeça o peso da vida.
Que o sexo eleve, transcenda e exalte o amor.
Que o que da boca saia, seja o que da alma exale.
Que quando os olhos se cruzarem,
se enxergue cumplicidade e verdade.
Que o respeito liberte-nos, para sempre, dos medos.
Que o amor-próprio não sugue o próprio amor.
Que o egoísmo não cegue os corações.
Que não caiamos por nada, nem por ninguém;
Mas que não caiamos, também, por nós mesmos.
Que o um seja dois!
E que os dois sejam um!
Ab-surdos


Faz-se oportuna, agora, a escrita.
Tal como qualquer outra coisa far-se-ia.
Pois qualquer ato que se tome é absurdo,
desprovido de motivo, de razão ou intenção.
Serve apenas, e não pode fugir disso,
para aprisionar e/ou libertar
os que virão depois de nós à esse mundo.

Mundo de instantes inconstantes,
separados um do outro por um rombo de vazio;
por silêncios, cheios de inércia e arrepio.

Mundo de momentos que despertam
sentimentos dispersos; inversos.
Por vezes perversos.
Emoções práticas; esporádicas.
Automáticas.
Em pessoas apáticas; sistemáticas.
Estáticas.
E isso é tudo o que a vida oferece.
À parte isso, o resto é fantasia.

Nada muda.
Tudo mudo.
Chuva

Estava almoçando no mesmo restaurante chinês de sempre; onde não havia um chinês sequer. Talvez um dos cozinheiros fosse chinês; mas acho que só me pareceu oriental porque eu sabia que o restaurante era chinês. O arroz era quente e a salada era fresca, de chinês mesmo só um bolinho frito de legumes, que também tomei por prato tipicamente oriental apenas porque o restaurante se dizia chinês; talvez tivesse algum tempero excêntrico ou algo assim na comida toda também, não sei. Meu paladar anda enfraquecendo por conta do cigarro, o que não é lá um mau negócio. Nada que me preocupe. Estava mesmo era preocupado com o tempo. Tempo, no caso, é o clima. Também não era lá uma grande preocupação afinal, mas já era alguma coisa, podia ao menos pensar sobre isso enquanto terminava o almoço. Almoçar sozinho te faz pensar em coisas como o clima.

Levantei, peguei minha bandeja e à levei até o balcão. Tem dias que acordo um cidadão exemplar, dou sinal, dou vez aos pedestres na faixa, levo a bandeja até o balcão. Tem dias que não. Paguei e saí. Lá fora começara uma garoa. Coloquei os óculos e acendi um cigarro como de costume. Andei. A garoa começou a borrar-me os óculos. Tirei-os. Cheguei até a moto e joguei o resto do cigarro fora. Saí rápido, parando por sobre as faixas, como quem está com pressa, mas esperando o sinal abrir, como quem não tem tanta pressa assim. Não me molhei muito.

Cheguei no hospital onde trabalho, passei os pés no tapete, bati o cartão, cumprimentei algumas pessoas que já tinham me cumprimentado pela manhã e fui até minha sala, meu carimbos, meus clipes, meu calendário e meu fax. Abri a janela. A chuva havia parado e o jardim do hospital estava muito bonito molhado e sem brilho. Ouvi alguém dizer que estava cheirando terra molhada, ri-me disso. Olhei para o portão lateral e tive vontade de fumar. Depois tive vontade de ir embora. Mas fechei a janela e pus-me à trabalhar.
Fuga
 
Eram cinco da tarde de Sexta-Feira quando, enfim, o juiz anunciou a sentença. Movido um pouco pela pressa de adiantar tal desfecho, outro tanto pelo devaneio, ou por algum tipo de heroísmo incomum, que por vezes me arrebatava, puxei, do coldre do policial, o revólver, e, num pulo, me joguei de costas para a parede, já com a arma me afagando o queixo. Por algum motivo não olhei pros olhos dela. Mas bradei para que Pedro não a deixasse ver. Com o canto dos olhos o vi apertá-la contra o peito. Dei, então, cabo de mim.