Sobre as palavras nessas linhas:
Agora são mais suas;
mas já foram mais minhas.
A chuva,
tal como, da abelha, é o mel,
é o desabafo do céu.
Amor em três linhas:
De mãos dadas,
duas pessoas sozinhas.
Edifício.
Palavra concreta; idéia completa:
Mais fácil ser pedreiro que poeta.
Tenho a mão solta, sempre tive.
Mão leve; mão breve.
Mão que não pensa, só escreve.
Título


Olhe pra você! Desilgue o monitor e olhe pro reflexo da sua cara. Que vergonha! Mas eu não vou falar disso agora. Você parou pra ver o jogo do Brasil mas não foi buscar seu filho na escola, não foi? Pobre do pequeno Robson. E quando foi que começaram com essas coisas, afinal? Digo isso de correr atrás de bolas, de atravessar na faixa, azeite de oliva, horários, metodologias, açúcar magro. Quem é que inventa essas coisas? Ah! Estou farto! Farto de escrever, inclusive. Texto idiota. Por que chamamos essa merda toda, escrita em linhas paralelas, da esquerda pra direita, de texto, afinal? Por que eu coloco tantas vírgulas? Por que eu escrevo "por que", e não "porque" se não muda nada? (ah, muda sim!) Muda o caralho! Mas a gente é feliz assim, no meio dessa coisa toda de regras seguras. Ou pelo menos acha que é, né?! Até porque não se achar feliz é feio; e feio não é legal; e, a gente sabe, que, hoje em dia, TODO MUNDO é legal; ainda mais de calças e óculos coloridos, e dentes brancos. Não vou ser mais um desses vagabundos de terno, que andam por aí fuçando no lixo atrás de um pedaço de maçã roída, ou de uma garrafa pet com um gole de coca sem gás. Serei a resistência idiota e sem sentido, do melhor jeito que consigo ser. Adoro escrever textos assim. Porque eu me sinto um completo inútil, como deve ser! Beijos e queijos à todos os assíduos leitores deste blog.
Pão com manteiga  

     João morreu ontem na padaria; ou na banca; não lembro bem. João levou um tiro na cabeça. O padeiro/jornaleiro chamou a ambulância, porque é o que se faz quando a cabeça de alguém explode na sua frente e mancha de vermelho a sua cara, sua camisa branca, que você ganhou de dia dos pais, e seu pão/jornal. João tinha dinheiro na poupança, usava aliança de ouro, estava terminando de pagar o financiamento de alguma coisa cara que tinha importância pra ele, e tinha, também, fome; ou vontade de ler, afinal estava na padaria/banca. Pobre João; tinha seguro de vida, acredita? Pois é. Pelo menos, agora, graças ao seguro de vida do João, sua mulher será poupada de escolher um caixão, ou a decoração do velório. Segundo o padeiro/jornaleiro, é fato que o caixão estará fechado.
     João morreu ontem. Acabo de me lembrar que foi na padaria; não na banca. Porque João era cego; e, também, porque o jornaleiro foi quem atirou na cabeça de João. Cego e azarado; morreu só porque o padeiro, italiano safado, comeu a mulher do jornaleiro. Aí já viu, o jornaleiro não gostou nada dessa história de outro macho entrar no seu território e fornicar com a sua fêmea, e meteu bala na padaria; assim mesmo, sem dó. Isso acontece na selva o tempo todo. Mas o padeiro nada sofreu, até porque está escrevendo aqui, bem
vivinho da silva. Pobre João, só queria comer pão fresco com café e manteiga.
Lembro

Me pegaram pelo braço e me arrastaram para fora. É do que me lembro. Mas o que mais me irritou naquilo tudo foram os olhares. Olhares gulosos. De pessoas gulosas, que sentiram-se saciadas com aquele pequeno gole de realidade que as estenderam na frente da boate. Um homem e seus trapos, marca-diabo, atirado pra fora; um olho roxo; sangue na flanela. Grande coisa, afinal. Safados. Lembro também que levantei, trôpego, sorri para uma garota qualquer, dessas que usam sapatos caros e vestidos curtos (e caros também), ela fez aquela cara de "ui, ele está com os dentes vermelhos!" Juntei uma boa bola de sangue com a língua, e fiquei , entre o cuspir e o engolir, por alguns segundos; o gosto de sangue é bom, não se pode negar uma coisa dessas. Engoli, afinal o sangue era meu, o estômago daria algum jeito; gosto do estômago por causa disso, ele sempre sabe o que fazer, entende? Você joga de tudo um pouco pra dentro, e ele dá fim naquilo, de um jeito ou de outro. Fantástico! Andei. Ainda estava um pouco transtornado; não com a briga; a briga não é o ponto. Mas aqueles cretinos; achando que uma surra é algo digno de saciar sua sede por algo de vivo, cru. Sangue. Vocês são todos assim. Ordinários. Passam o dia esperando uma desgraça. Se escutam uma frenada e o som do ferro retorcendo em seguida, saem de chinelo de dedo pra fora de suas casas alugadas, ou colocam suas cabeças lindas e descabeladas pra fora da janela, desejando mórbidamente ver uma perna rolando, ou algo que o valha. "A desgraça de alguém é prato cheio pra outrem"; lembro, também, de ter escrito isso num guardanapo antes de apanhar.
Instantes sem parágrafos

Conversas paralelas não desatavam sua voz do meu ouvido; assim como o seu hábito de estalar os dedos prendia minha atenção. Naquela mesa, naquele agora, eu não percebia ao redor o que eu percebo com outras companhias. E eu não sabia muito sobre você, mas sei que sei de mim, e não é normal eu me sentir assim. Até cogitei levantar e sair, sem consumir nada, e nunca mais voltar; nunca mais te atender. Mas me ocorreu que eu fujo toda vez que me apego, assim como me ocorreu o tempo, o desperdício e a solidão. Hoje me lembro que fiquei, e atravessamos, não só aquela noite, como muitas outras do meu calendário. Hoje os velhos hábitos são postos à prova; a língua traça outras frases, num outro tom de voz, que não era usado antes, e que iria enferrujar junto com as palavras entaladas na garganta. Hoje arrasto a semana amarrada aos meus pés, que já andaram desatados através dos dias, e foram à todos os lugares que são lugar algum. Bati em portas que me bateram na cara, e nas que se abriram eu não quis entrar; mas hoje enxerguei os instantes de um jeito diferente. Ontem pagaria o quanto fosse para não estar na situação da qual, hoje, pago o quanto for pra não sair. E as pessoas falam, falam, falam e falam, mas a música está alta, e eu não ouço nada; e se ouvisse não responderia; não há chances pro diálogo com quem quer monologar, e também não há pra mim, que estou com os ouvidos zunindo, com os lábios ocupados, e com as veias quentes de álcool e desejo de que à noite não termine num café frio no dia seguinte.