Com o sangue nas mãos, que só vejo agora,
admito, sem remorso, uma chacina.
De todos o crimes que cometi,
esse foi, com certeza, o mais notável;
E o único que não necessita de perdão;
E, se não bastasse, é, também, ainda,
o único que desafia a vingança.
Porque se matei tantas verdades, no fim,
penso, sinceramente, que foi somente para ver
se um dia ei de sofrer por conta disso.
Nas ruas de mim mesmo,
encontrei, de riso fosco,
o Poeta.

E, secreta no breu,
abriu-se, por ele,
a janela:

"Jardim das letras.
Sem a guarnição, ora do violino,
ora das trombetas;
Só o sumo crú da arte primeira:
A palavra.
Suco doce."

Na selva, o rugido do leão
Na cidade, o silêncio do nilista.

Enquanto, negros,
urubus disputam, à bico,
as carniças do deserto;
Voa leve o beija-flor.
E, no seu silêncio,
vive de flor, açúcar e céu.
Pesada, aflorou.
Escorregou, macia, até parar
e, ali, se fazer gota.

Com o soluço, oscilou.
Cintilou, contraditória,
e caiu; Silenciosa.

Se fez, e se acabou.
Nem ao menos borrou
algum nome num papel.
     Sou só mais um dos marginalizados, sendo mutilado física e mentalmente durante o decorrer do tempo. É assim com todo mundo. E até se sente um certo prazer nisso de ver a cidade te degradar dia-a-dia. Você se sente vivo assim, com a dor. Definitivamente, a dor é o que mantém o homem vivo. A dor. E somente ela. Talvez, também, o amor. Mas este ainda não me deu as caras.
Pra quem sempre rastejou pelo saguão, bastava o sétimo andar.
Ah, meu bem!
Além de se fazer o que se quer,
há de se abster do que se tem!
É assim a liberdade.
Se jogar no abismo
pra depois decidir,
de braços abertos,
entre o voar e o cair.
Ah, você!
Não sei se te calo ou te deixo falar;
Que a cada palavra mais vontade me dá
de acordar amanhã e te fazer um café.

Mas onde é, amor, que isso vai dar?
Onde é esse lugar?
Que se você disser que a nostalgia acaba lá,
aí eu vou a pé; Que é pro pé calejar!

As palavras certas! Diga-as por favor.
Pra traçar, cá no meu rosto, de um sorriso, um esboço.
Procurei  pelo amor nos lugares errados,
ou procurei nos lugares o amor errado?
Não sei ...
Sei que sempre foi assim!
Não dá
pra passar um dia não, amor;
Sem café, amor e pão;
Que a gente já começa a fraquejar.
Não é?
Ei, você!
Reclamas-te de quê? (depois do arroto)
Estava sem sal, sem mel, quer chá?
Eis o quê te digo:
Sua vida é tão banal quanto o jornal que você lê!
E, por favor, apague a luz quando sair.

O aleijado, já sem fé,
atravessou a rua nem a pé;
Pra poder esmolar mais perto da bodega.
Afinal, à ele a sociedade só entrega
a condição de se arrastar pela cidade.
E não cabe à ninguém julgar
se a pinga o salva ou não da cruz.
Não procure em mim um retrato;
Sou abstrato.
O antônimo da perfeição.
Sou somente fruto do acaso;
Um atraso.
Na fila do "sim", sou o "não".

Não procure em mim, por você;
Pra quê?
Não há diamantes com o plebeu.
Sou romeu, no último ato;
É fato:
O amor não me escolheu!
Ainda de caso assumido com a poesia
flertei com a prosa, e me apaixonei.
Dexei de andar na avenida da métrica
para dançar nos becos do verso solto.
Prefiro à sinceridade escarrada,
que à rima forçada.
Meu caso agora é com a prosa,
e com a prosa agora caso.
Seria sarcásmo ou acaso
que, num texto proseado,
metade fosse rimado?
E ,outra vez, os palhaços
pintam a cara para atraír os olhares,
e fazem pirraça para ganhar seus milhares.
São tempos de circo sem lona.

Não se joga um poeta aos leões.
Línguas e palavras eles engolem.
Não se julga o ladrão
de uma só maçã.

Tomo um gole de suicídio
em jejum toda a manhã.
Tem cheiro de fel, mas gosto de mel.
Salivo por um copo cheio!

Quis pouco tentar,
por muito saber,
que é ilusão
viver!
A distância veta todas as ações;
Só o que sobra é o pensamento,
e as promessas vazias de uma adolescente.

A distância veta todas as ações;
Só o que sobra são diálogos,
e nomes rabiscados no caderno.
Suspiro pode ser saudade, prazer, desejo;
Pode ser um sopro de aflição, ou de preguiça;
Suspiro pode ser pressa de ser tudo,
ou medo de não ser nada.

Sei que tudo que há em mim,
não é nada do que eu possa ser.
Então suspiro!

Seu suspiro pode ser um grito reprimido,
ou um arrepio em forma de som.
Seu suspiro pode ser morte,
e o meu ser só o doce.
Antes fosse.
Eu, que prego o desapego material, me pego preocupado diante do espelho.
Eu, que prego a surdez quanto às opiniões, me pego  de ouvido vivo enquanto passo.
Sou as idéias, não os atos, é fato!
Sou imaginação, mas não teatro. Sou retrato!

Tudo que tenho acaba na gaveta, ou no cinzeiro.
Afinal, toda virtude é íntima de um vício.
Não veio de surpresa!
A dor é menor quando já se espera a perda.
Desculpe, mas não sei chorar.
Não consigo me desesperar!
Por mais que sua ausência me perturbe.
Desculpe, mas sou frio demais.
Te vejo em tudo.
E as memórias perambulam pela casa.
Mas mesmo depois que caíram as pétalas,
ainda sinto o perfume.
Segurei suas mãos
mais geladas que a garoa.
E com os olhos secos,
eu vi a terra te engolir.
De dia, Sônia, não ria!
À tarde, a arte, descarte!
À noite o pernoite é um açoite

Na madrugada gelada, deitada
Sônia não dormia
E via a covardia da noite virar dia.
É preciso coragem para enxugar o suor do tempo
que faz seus olhos arderem.
É como se proteger num guarda-sol de palha,
que o sol teima em atravessar.
Mas chega uma hora em que escurece.
É quando as sombras,
que ficaram cercadas por luz o dia todo,
tomam conta do chão e das paredes.
E é preciso ter coragem pra fugir,
e se jogar do alto, de cara no mar.
Entre ratos e pássaros
ela andava e se misturava.
Entre soluços e semáforos,
corria de encontro ao que não queria ter

Entre o fundo e a margem
ela ria e se divertia.
Entre o fogo e as nuvens
ela via tudo que não queria ver
     Não me venha com essa de conselho! Quem és tú, falso profeta, para dizer-me o que é que tenho de fazer para que no futuro, que é, talvez, inexistente, eu seja uma pessoa mais... mais... mais o quê mesmo seria de mim se seguisse teu conselho? Mais rico, mais feliz, mais magro, mais limpo, mais vivo?
     Não sabes quem eu sou, o que quero, o que busco, o que gosto ou detesto, e nunca eis de saber, tal como o resto da humanindade. Porque de mim, entendo eu. E assim sempre será.
     Como podes tú ter a tamanha ousadia de pensar ser capaz de interferir no determinismo natural que rege o mundo, e nos mantém o mais longe possível do caos que criaríamos se ouvesse, realmente, o puro livre arbítrito?
     Conselho... Grande merda! É uma bela de uma idiotíce travestida de fraternidade. É isso que é.
     As idéias, com o tempo, sempre esfriam. É fato. Por isso sou apaixonado por quaisquer atos que se possam ser chamados de loucura, insensatez, irresponsabilidade e todas estas outras convenções moralistas que saem, como o bafo ou o catarro, da boca dos que se dizem cultos e politizados. Mal sabem eles que são como o gado. Pois tal como este, lhes empurram goela a dentro tudo que convém às altas castas dos Senhores da Carne, para que depois, deles, se explore tudo que for possível. A vida e a carne.
      Voltando as idéias. Quando se as têm em mente, e não se as passa em mãos quase que de imediato, elas viram apenas uma memória amarga, tal como todos os desejos que reprimimos durante nossas vidas, para que possamos participar do circo do Bicho-Homem sem maiores complicações.
      Idéias são boas, só se, como esta. Que não tem interesse algum em se tornar palpável. Pois o plano material é corrompido e irreal. Idéias só se tornam ação, por meio da ambição, da ganância, do desejo de posse, ou de qualquer outro princípio capitalista. Afinal o que é a vida, senão um grande Mercado?
     A realidade está na sua mente, e só nela. O resto é ficção. Uma bela e trágica peça teatral, na qual todos somos figurantes. Sem poder algum de mudar o desfecho da cena no ato final. E é aí que se dá o único momento de verdade na sua vida de mentira: A morte.
Foram-se os dias em que meu estômago era ácido, angústia e fúria!
Meus argumentos contra ou à favor de qualquer fim são, agora, fumaça!
Não me restam mais forças pra discussões.
Agora sou, por inteiro, parte do inútil.
Vou me dar a liberdade de ser humano,
e viver daquilo em que eu quiser acreditar.
Deixo de lado o medo de parecer ingênuo.
Me abstenho da terra e me agarro ao vento.
E, assim, me desapego do medo de voar,
do medo de sorrir ou de chorar na frente de quem for.
Sou humano, e só. Nenhuma gota à mais de Deus.
E, por isso, enterro o medo de nunca entender o que não há de ser entendido.
Pois não há  nada para se compreender. É só vida.
E, esta, não  é nada menos do que um milagre!
Olhando para lareira apagada ela chorou.
Pensas-te a vida toda que fosses o rubi do colar não é?
O diamante do anel,
ou o desejo nos olhos dos homens.
Mas sabes bem que és apenas o pedaço de lenha na lareira,
que queimou e ardeu em chamas,
lançando altas labaredas,
transformando-se em brasa, uma brasa brilhante.
Mas a brasa esfriou rápido, e o brilho sumiu.
Agora o que sobrou foram cinzas e fumaça.
Espero pela noite.
A noite dos gatos.
Espero pelo depois.
Porque o agora acabou.
Eu que sei que não te digo que te amo,
também chamo por seu nome no silêncio.
Eu que sei que procurei a vida inteira
a brincadeira de me deixar amar sem medo,
também sei, amor, que o que posso, já tenho.
Que com almas assim, não nos vale o empenho
de parar de voar pra se fazer um ninho.
Sei bem, amor, que o que tenho é conversa.
Não é toque ou sabor, é só paz dispersa.
E sei, também, entre outras coisas,
que você também sabe isso tudo que sei.
Sabe que a convivência seria tragédia.
Mas que a simples consciência
da sua e da minha existência
já nos basta.
E consuma-se, assim, esse amor.
E, se no fim,
lá na curva do tempo,
nos cantos do mundo,
onde só o vento ressoa,
as palavras,
filhas bastardas da minha solidão,
ainda soprarem,
mesmo que só nos ouvidos dos ratos,
é porque são, ainda,
dignas de serem ouvidas.
São a verdade doída
de um tempo e de um mundo
onde compreender
era uma dádiva triste.
Tec tec tec!
Diz a máquina.
Escrevendo em caixa alta:
LEONARDO FANTINEL

Trim!
Acabou a linha.
Lá se vai o anonimato
registrado no papel.