Dona Rosa

Vó, eu só queria dizer que nunca esqueci da senhora. Nunca vou esquecer do jeito preocupado com que a senhora me olhava, da janela da cozinha, enquanto eu saia para a rua pra brincar. E então, quando eu voltava eu brigava com a senhora dizendo que não era pra ficar me cuidando pois eu já tinha 12 anos e não era mais uma criança. Que belo idiota, não é mesmo?

Imagino que em alguns anos vou dizer o mesmo à minha mãe, sobre não me chamar de nenê - por ser o caçula - na frente dos meus amigos.

Se eu pudesse reinventar a criança colocaria um pouco mais de paciência e sabedoria em sua essência, pois às vezes a ingenuidade não permite que elas apreciem e vejam com bons olhos momentos carinhosos e bonitos como estes.
O que eu ganho e o que eu perco, ninguém precisa saber

Quando ouço as pessoas bradarem suas ambições, quase sempre exclusivamente materialistas, não torço para que seus plano dêem errado e elas não alcancem o que tanto almejam; na verdade nem penso nisso, pelo contrário, acredito que vão acabar conseguindo a caminhonete gabine dupla, suas centenas de cabeças de gado, uma conta recheada no banco e uma fazenda com piscina e picanha e cerveja todo Domingo. Mas estes discursos me incomodam muito. Muito mesmo. Porque estão carregados de muita coisa imunda, e eu não vou ficar aqui dizendo o que há de imundo nisso, pois se você não vê por si só, eu não vou mostrar à você. Simplesmente porque não terá a mesma intensidade, a mesma mágica e a aquela sensação única de descobrir algo novo e verdadeiro por si só. Lembro-me quando descobri Fernando Pessoa e aquela sensação naquela tarde de inverno mudou minha vida para sempre. Mas voltando à imundicie, bom, existe muita imundicie no mundo, mas para cada coisa fétida exista algo extraordináriamente lindo, não tenha dúvida, e eu demorei um certo tempo para descobrir isso. A imundície, neste caso específico, está no fato de que existem pessoas - e eu as vejo todos os dias - que não alcançaram tais conquistas materias, na verdade não chegaram nem perto disso. São pessoas que tem calos no corpo, tem as unhas sujas de graxa, outras vezes terra. São pessoas às quais não foram dadas iguais oportunidades, nem iguas condições. São pessoas às quais ninguém, nesta porcaria de sociedade, ensinou nada que pudesse ajudá-las de verdade, pessoas às quais sobrou apenas o amparo de deus, que é só a falsa promessa, a ilusão, de que depois que vier a morte, algo bom os compensará. E aí está uma boa coisa na religião, a entrega de uma falsa esperança aos desnorteados deste mundo doente. E se estes pobres diabos não tem conquistas como as que vós queres ter, o que são então? A escória? A derrota personificada? O lixo andante e trôpego? Apenas por não terem tido ambição suficiente? Ou não terem agarrado as oportunidades que para vocês pareciam impossíveis de se deixar passar? O mundo é uma bola maior do que a sua cabeça miúda e sabichona, e a vida é mais do que um carro que você tem que dar o cu pra poder ter. Então, por favor, pare de me atazanar dizendo o que você quer ter, por que a mim não interessa. E se te ofender o discurso de alguém que não compartilha dos seus valores, o que geralmente ocorre, pau no seu cu.
A Educação Coletiva Não Funciona

A nossa política educacional baseia-se em duas enormes falácias. A primeira é a que considera o intelecto como uma caixa habitada por ideias autónomas, cujos números podem aumentar-se pelo simples processo de abrir a tampa da caixa e introduzir-lhes novas ideias. A segunda falácia, é que, todas as mentes são semelhantes e podem lucrar como o mesmo sistema de ensino. Todos os sistemas oficiais de educação são sistemas para bombear os mesmos conhecimentos pelos mesmos métodos, para dentro de mentes radicalmente diferentes.

Sendo as mentes organismos vivos e não caixotes do lixo, irremediavelmente dissimilares e não uniformes, os sistemas oficiais de educação não são como seria de esperar, particularmente afortunados. Que as esperanças dos educadores ardorosos da época democrática cheguem alguma vez a ser cumpridas parece extremamente duvidoso. Os grandes homens não podem fazer-se por encomenda por qualquer método de ensino por mais perfeito que seja.

O máximo que podemos esperar fazer é ensinar todo o indivíduo a atingir todas as suas potencialidades e tornar-se completamente ele próprio. Mas o eu de um indivíduo será o eu de Shakespeare, o eu de outro será o eu de Flecknoe. Os sistemas de educação prevalecentes não só falham em tornar Flecknoes em Shakespeares (nenhum método de educação fará isso alguma vez); falham em fazer dos Flecknoes o melhor. A Flecknoe não é dada sequer uma oportunidade para se tornar ele próprio. Congenitamente um sub-homem, ele está condenado pela educação a passar a sua vida como um sub-sub-homem.

Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"
Observações acerca do ambiente empresarial pós-moderno

As pessoas são todas boas demais. Boas demais para fazerem as coisas simples. Boas demais para recolherem um copo plástico caído no chão, trazer o jornal para dentro da empresa e colocá-lo no revisteiro ou irem buscar uma térmica de café. Diriam o quê? Eu? Um profissional gabaritado do alto das minhas duas pós graduações, atarefado, com todos esses papéis em cima da minha mesa? Por quê iria eu buscar uma térmica de café? Isso é para a mera ralé.

Além de boas, as pessoas são espertas demais. Espertas demais para fazerem o que tem de ser feito, do jeito que tem de ser feito. São espertas, malandras e coçam seus sacos enquanto acham que estão ludibriando o mundo todo enquanto fingem agir.

Além disso tudo, as pessoas são tristes demais. Apenas por serem tristes, e nada mais.