Zica

Todo passo é um passo em falso. Todo ato acaba, no fim, virando uma prova à ser usada no tribunal, e quanto mais cheio de boa intenção for o ato, mais cabal a prova, afinal, quem é que pode ser tão bom assim?
A situação vem se agravando. Não tenho interesse nenhum em sair, em ir à festas, shows ou algo desse sentido. Não tenho o menor interesse, também, em ver pessoas e muito menos interagir com elas. Na verdade, falar não tenho interesse é pouco, pois pode soar como tanto faz, e a verdade é que eu desejo não ter que ir à estes lugares e cruzar com pessoas e etc.
Não consigo sentir afeto por meus famíliares, não consigo ter um relacionamento constante e saudável com meus poucos amigos, não consigo mais guardar um tostão sequer; mal pago as contas, e, se pago, é porque faço poucas.
Eu não acho isso legal, não acho isso bonito, não acho isso cool, e não acho que isso seja solitude, que é algo maravilhoso. É way diferente de solitude. Isso é exílio; é clausura. É sentir necessidade de solidão, que é algo terrível, para fugir da afronta, do julgamento, da acusação, do dedo na cara, da sensação de se sentir um estrangeiro, como Mersault sentia-se.
Estou metido em um sério problema. E eu não sei o que fazer. Nunca me senti tão desorientado.
Estou pronto para gritar e soquear uma parede; mas não farei isso, pois me falta atitude.
Estou cansado de me sentir cansado sem me cansar.
Gostaria apenas de me sentir bem; ao menos disposto.

Hoje é um dia bom. Melhor que os anteriores. É um dia de novas apostas em velhas propostas; antigos propósitos resgatam minha força e me amparam novamente. Meu espírito encontra-se, ainda, desencontrado, desconectado da frequência onde sente-se equilibrado, e faz com que meu organismo sinta-se à vontade no mundo; neste mundo. Mesmo assim é um dia melhor do que vários "ontens" e "anteontens". Não tenho a intenção de mudar o mundo, alterar a realidade, modificar o meio; seria uma pretenção irreal, ingênua, no pior sentido da ingenuidade e, acima de tudo, covarde.

Mas não posso negar minha essência, embora meu comportamento acerca dela possa ser moldado dia após dia. Não posso, também, me deixar afetar negativamente pelo meio, pelas condições que a vida oferece e pelo julgamento constante de todos aqueles que observam meu comportamento.

Deve-se aceitar a vida, com a mesma verdade que se aceita a morte. As duas são friamente reais. E viver não é mais do que aceitar as suas condições individuais e lidar com elas. Cabe a cada um conhecer e carregar seu fardo (não tomar fardo por algo necessariamente ruim).

Minha luta agora é colocar novamente em prática minhas virtudes, pelas minhas próprias pernas, e evitar esse bloqueio funcional que aterroriza meus dias.

"Não vos peocupeis, com o dia de amanhã; pois este preocupar-se-à consigo próprio. À cada dia basta o seu fardo."