"(...) Nós, quando crianças, temos uma relação com a força criativa. Entretanto, nossos pais, gradualmente, vão virando nossos rostos para o que é concreto, assim como os professores e o sistema de ensino. Então, tudo parece estar funcionando contra você. Mas a natureza da força criativa não funciona contra você. Ela está logo ali, para você, a qualquer momento. Você apenas tem que estar pronto.  Estar aberto a tudo o que vai vir através de você. Estar pronto, não para julgar o que vai passar através de você, mas sim para aceitar, qualquer coisa que seja, porque é apenas o universo se expressando." (John Frusciante, 2008.)
Reflexão

Alisson Mosshart (The Kills), Stade de France, abertura do show do Metallica.
Há algo que muito me intriga. E já faz muito tempo que isso me intriga. Mas é algo tão bonito e misterioso, que me acende a alma toda vez que penso nisso.

Existe uma força - que eu chamo de vida - que se manifesta em vários lugares na dimensão física. Bactérias, flores, ratos, lagostas, eu e você, não somos nada que não - em primeira instância - manifestações desta força. Manifestações da vida em uma fração do tempo. Algo que surge de uma transformação prévia e depois transforma-se em algo novo. Movimento. Isto tudo está muito claro na minha mente. Tão claro quanto o fato de que é só uma idéia, uma imagem que criei para elucidar a vida em uma linguagem que minha mente compreenda.

Agora, o que me intriga é: Por que esta força tende sempre ao eterno? Por que a vida sempre encontra uma forma de se manifestar e se perpetuar? Por que existem bactérias debaixo de centenas de metros de gelo na Antártida? Por que alguns sapos africanos mudam de sexo quando estão em um ambiente onde só há sapos de um mesmo sexo? Por que prefere-se sempre o existir ao não-existir? É necessária a presença de uma inteligência para se decidir entre existir e não-existir. O acaso ou o caos - ambos inerentes à realidade - não podem decidir, pois não são uma forma de inteligência, mas sim meios utilizados por uma inteligência, para construir esta realidade onde tudo acontece à mera coincidência e da forma mais inimaginavelmente caótica, e ainda assim mantêm-se a ordem, o balanço e o equilíbrio ao longo de milhões de anos.

Vejam que Hamlet questiona-se "Ser ou não ser? Eis a questão!" E não pode achar a solução para tal pergunta, pois sua inteligência não o permite respondê-la. É uma questão cuja solução/resposta encontra-se para além da compreensão humana. É difícil sequer conceber que não podemos compreender certas coisas. Que nem tudo pode ser cientificamente esmiuçado. Pois nos parece que tudo que tentamos entender e explicar acabamos por de fato entender e explicar ao longo do tempo. A questão é, podemos buscar entender o que está fora da nossa esfera de questionamento? Aquilo que não podemos nos questionar por simplesmente não podermos? É um ponto delicado. As palavras já não ajudam mais daqui em diante. O fato é que alguma inteligência já respondeu a pergunta de Hamlet. Ser. Existir. Perpetuar. Não sabemos porquê. Mas é assim.

Penso que perguntas como esta valem a pena se fazer a você mesmo. Continuo, portanto, alegremente intrigado.
Aquele que só vai.

Cá vou eu, bicho da rua,
que não sabe, já de noite,
se é de poste, a luz, ou é lua.
Escalando meio-fios
atravessei a cidade.
Andei à passo largo,
me coçando.
Vontade.

Entrei na instiga, paralelo
marginal
o tal
Senti a liga
franzi a testa.
Preciso, disse.
que seja o veneno que for,
meu senhor,
traga-me ali o alívio, que tal?
Tenho um qualquer, um relógio, um boné, que tal?
Bota pra mim!
Pensamentos escritos à esmo.


O eu escritor que vive nesta cabeça barulhenta, um dos diversos eus - meras imagens de mim mesmo criadas pela minha própria mente - que se sobrepõe uns aos outros ao longo dia, está calado. Embora eu esteja escrevendo neste mesmo instante, ele está calado. É intrigante o como nossa mente idealiza a perfeição e cria imagens para absolutamente tudo que seja catalogável. É assim a vida.
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A existência é um complexo, inconsistente, incerto e incompreensível emaranhado de emoções, sensações, pensamentos, atitudes e eternos paradóxos. Sua existência reside em você, mas muitas vezes acaba sendo despejada na banalidade de um ou outro momento.
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Inspiração,
a emoção não está aqui.
Sei que é por isso que não quer vir.
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Queremos todos a revolução! A mudança disto ou daquilo. Não nos contemos, temos que julgar e condenar tudo aquilo que se apresenta como diferente do que esperamos. "Esta cerveja não está lá aquelas coisas" dirão alguns, frente à uma cerveja um tanto quanto morna. É uma pena não haverem muitos garçons espirituosos que retrucassem algo como "o senhor também não me parece ser lá grande coisa.".
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A confiança perdida é difícil de recuperar. Ela não cresce como as unhas.
Todos, sempre que uma mísera ameaça de julgamento se aproxime, consideramo-nos inocentes, e formulamos, em segundos, pencas de argumentos que nos defendam, deixando, assim, o bem estar do nosso ego, imune. Pois bem, talvez sejamos mesmo, todos, bons demais para estarmos neste mundo de aparência/julgamento. Ou, talvez, sejamos apenas uns fracos, preguiçosos, sem nenhum talento ou virtude saliente. Cabe a cada um escolher o ponto de vista que melhor irá se adequar ao seu estado psicológico no momento em que faz a leitura deste texto. De minha parte, não importa quem eu sou de fato, pois por mais podre que eu possa ser, sei que todos também são, ou foram, ou serão em alguma parte de suas vidas. Muito podres. Meus pais morrerão sem que eu saiba com exatidão a data dos seus aniversários. Sem que eu saiba suas idades, sem que eu diga a eles “bom dia”, ou “boa noite”, ou “seu frango estava ótimo, mãe”, ou “obrigado pelo conselho, pai.” Isso é uma das coisas pelas quais posso ser considerado asqueroso. E eu sei muito bem disso. Eu larguei duas faculdades, unica e exclusivamente, por preguiça e desinteresse. Duas características nada exóticas da raça humana. Cansei de inventar mentiras para os outros sobre os porquês que me indagavam, e acabar por acreditar em algumas delas. Eu realmente me sinto como um gigante poço de conhecimentos obscuros sobre os seres e o mundo, pronto para lhe dizer o quanto as coisas são de mentira, e como são podres. E, muitas vezes, estou enganado. Quantas horas eu passei no meu quarto fugindo da forçosa interação familiar? Quantos amigos foram ficando, lentamente, para trás, devido ao meu total descaso? Quantos sobraram? Sete. Que tipo de mundo é esse? Onde sofremos com tudo na mão. Onde sonhamos com grandiosas futilidades. Onde blogamos sobre o asco do mundo e depois nos deleitamos em jogos de baralho e bebidas baratas. Macacos de tênis, é o que somos.

Obs.: Texto arquivado sem publicação à dezenas de meses.
Fez-se nó.

Com o rosto, agora, exposto,
sinto o gosto do ser
e o desgosto do saber.

Vejo posto, um sorriso,
nestes lábios que se movem
- descem e sobem -
Xingam e beijam,
e esbravejam a dor de ter
e de ser
o amor de alguém.

E, assim, vai-se além,
pois se aceita a dor que vem
com o privilêgio de se ter alguém.

E o entrelaçar da alma,
que agora nos acalma,
creio, irá nos diluir
um no outro,
fazendo sucumbir
assim, num sopro,
a idéia de que nós
podemos ficar bem
a sós.

As mentiras que contamos



"Sem as pequeninas hipocrisias mútuas, tornar-nos-íamos intoleráveis uns para os outros." (Emanuel Wertheimer)

O humano é um ser mentiroso. Mas a palavra mentira traz sempre um peso terrível consigo. Tem uma imagem de maligna, diabólica; coisa de dissimulados. Existem os que mentem para os outros, e os que mentem para si. Ora, o que há de diabólico em dizer a uma viúva "se precisar de alguma coisa... Qualquer coisa..." mesmo sabendo que ela não vai pedir, e você também não está assim tão disposto a ajudá-la em qualquer coisa que ela necessite. Mas é educado. É reconfortante. Faz bem à ela. Proteje-a. À dá segurança em um momento tão difícil. E é mentira, muitas vezes. Somos todos mentirosos. Todos! Se você não aceitar essa premissa, está no grupo dos que mentem para si. E aí reside uma tremenda dor, tremendo sofrimento, pois é viver no real e acreditar na fábula.

Encarar a realidade como ela é de fato, é uma tarefa triste. Pois a realidade é cheia de tristeza, de incerteza, de insegurança, medo e um monte de merda que fede o tempo todo e em todo o lugar. Pare e sinta o cheiro. É merda cara, merda por todo lado. Mas a partir do momento em que você para e começa a sentir o mundo, sentir como as coisas são inevitavelmente imperfeitas - e as pessoas são mestres nisso, em serem imperfeitas mas pregarem e crerem em uma perfeição utópica - sente-se uma leveza, ouve-se um sussurro gostoso que diz "tudo está bem", e toda aquela merda já não fede mais tanto assim. Ela ainda está lá, e sempre estará. Nós a colocamos lá. Agora cabe à nós aceitá-la como parte do que é e conviver com isso. O erro está em negá-la. Em recusá-la. Em fechar o nariz com a ponta dos dedos e fingir. Mentir para si. Todo mundo já acreditou e viveu na sua bolha de vidro, no seu mundinho perfeito, esférico, sem vétices, sem cantos, sem espaço para o torto, o imperfeito. Mas é tão bom libertar-se. Liberta-se da necessidade de entender, e passar a aceitar. Eu não sou nenhum buda, não falo do alto de uma montanha com tábuas na mão. Quem dera. Sou um coitado! Sou, também, só mais um desses infelizes. Que sofre. Que ama. Que flutua em tão variada gama de sentimentos. Tenho todos os defeitos que se pode ter, e sei que você que me lê os tem também. Cabe a nós nos perguntar, seriam eles então defeitos? Ou apenas todas características comuns de uma raça doente que criou valores utópicos e padrões de perfeição igualmente utópicos nos quais não consegue se enquadrar?

As pequenas mentiras, omissões, hipocrisias e falsidades são o que salvam o ser humano do genocídio.

Triste daquele que acredita viver no castelinho de cristal, onde os dias sempre tem cor, e a escuridão nunca prevalece. Será um dia salvo pelo príncipe que virá montando um unicórnio alado.

Serenidade e compreensão bastam para se poder aceitar o mundo do jeito que o fizemos.
Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinhiero monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas. (Fernando Pessoa, "Livro do Desassossego")