Antes do ego

Talvez todos nós - e isso é um bocado de gente - já tenhamos nos feito a seguinte afirmação, mesmo que não nestas palavras, talvez até indiretamente: Não consigo mais viver comigo mesmo. Mas creio que poucos tenham se dado conta que, nesta sentença existe, também, uma grande revelação. A revelação de que existem dois "eus". Pois se eu não consigo mais viver comigo mesmo, devem, então, haver dois "eus". Então, quem é o eu? E quem é este outro eu com o qual não consigo mais conviver? Não se prenda a sentença em si, mas sim a ideia que ela sugere.

Existem, de fato, dois "eus", mas grande parte das pessoas está apegada ao segundo eu - o ego - que nada mais é do que a imagem que criamos de nós mesmos em nossa mente. O outro eu - aquilo que de fato somos - ainda é um mistério incompreendido para muitas pessoas.

A mente humana vive de ideias, símbolos, linguagem, que são apenas imagens que criamos e com as quais nossa mente se identifica ou não. Muitas pessoas acham que são a sua mente, que são seu pensamento, que são sua imagem, e que todas as coisas do mundo são, também, as imagens que sua mente criou para identificá-las. O problema é que nada disso é real.

Nossa mente e, por consequência, nosso pensamento, nada mais é do que uma ferramenta. Entretanto, esta ferramenta deixou de ser apenas utilizada esporadicamente, e passou a nos dominar de tal forma que nos identificamos com ela. Nossa mente está sempre muito barulhenta, muito inquieta, sempre cochichando alguma coisa.

Então, se eu não sou a voz em minha mente, se eu não sou a imagem que construí de mim mesmo, quem eu sou? Você é quem percebe isso. Você é a consciência por traz de tudo.

Citações

“I don’t write from the place of ‘I know something that I’m going to tell to you.’ I write from the place of ‘there’s something I don’t know and I need to write this book to figure it out.´” (Sheila Heti)

“Sometimes I see something so moving I know I’m not supposed to linger. See it and leave. If you stay too long, you wear out the wordless shock. Love it and trust it and leave.” (Don DeLillo)


“I write differently from what I speak, I speak differently from what I think, I think differently from the way I ought to think, and so it all proceeds into deepest darkness.” (Franz Kafka)

“Assim como nosso nascimento nos trouxe o nascimento de todas as coisas, assim nossa morte trará a morte de todas as coisas. Por isso é igualmente loucura chorar porque daqui a cem anos não viveremos mais, assim como chorar porque não vivíamos há cem anos.” (Montaigne)

“A hipster is a person who isn’t sure who he is, but knows what he’s supposed to be, is awkwardly forced to express it, and feels conflicted but proud about doing so.” (comentário em matéria da New Yorker)

“Difícil mesmo é falar em silêncio, sobre silêncio, sob silêncio. Descrever é esconder a coisa numa manifestação física e colorida, na materialidade da palavra, torná-la vulgar por ser palpável e simplória por ser descritível. Não se trata de uma regra, mas uma reflexão pessoal, uma constatação de incapacidade. Tenho pensado que não consigo fazer arte com tudo aquilo que dejeto. Certas coisas nunca serão tranformadas em linhas, só em espaços entre as palavras.” (Vanessa Rodrigues)

“He who does not understand your silence will probably not understand your words.” (Elbert Hubbard)

“Só com o tempo e a experiência é que vim a aprender que há circunstâncias em que a coragem e a covardia se disfarçam mutuamente. Terminar é o mais difícil de tudo, mas, mesmo assim, a renúncia é uma das poucas experiências de verdadeira liberdade.” (Pérsio Arida)

“A natureza está à espera, lá fora, mas mantém exactamente a mesma força: recuou, é certo, mas não está sequer prisioneira. Está num outro sítio, num outro ponto da batalha, e afia as lâminas; não teme, não suplica, não pede piedade. Não reza, afia as lâminas.” (Gonçalo M. Tavares)

O Sofá Perfeito


O sofá.

Salvador Dali escreveu que a melhor coisa que lhe ocorreu foi ter ido para a prisão. Pois lá ele foi privado da liberdade, lhe foram impostos limites e ele não precisava mais decidir se ia ler um livro, escrever um poema, pintar, ir ao teatro ou sair com alguma moça.

Em meio ao infinito, perde-se o homem contemporâneo. Nunca o infinito se fez tão claro. Todas as possibilidades são tão nítidas, que parecem ser todas palpáveis. O impossível nunca fora tão possivelmente possível. E o inalcançável parece estar sempre logo ali. E inserido em um meio tão sem limites, tão cheio de escolhas, o homem encontra-se agora em uma situação a qual não teve tempo para se habituar. Ele está mais próximo do que nunca da imagem que o consciente coletivo tem de liberdade.

Ao passo em que o mundo torna-se um lugar cada vez mais pequeno, e que nada mais parece ser utópico, mas sim possível, as infinitas possibilidades fazem cada escolha ser mais difícil, pelo fato de que quanto mais possibilidades, maiores as chances de cometermos erros, e por conta deles, nos frustrarmos.

Há algumas décadas, se precisássemos, digamos, de um sofá, compravamos, portanto, um sofá. Talvez houvessem cinco ou seis tipos de sofá disponíveis, então a chance de comprarmos o sofá perfeito era de uma em seis. Hoje, se precisarmos de um sofá... Bem, vamos acabar nos frustrando, pois existem infinitas características, diversos fatores e inúmeras decisões implícitas no ato de se comprar o sofá; e é impossível que analisemos todas as possíveis variáveis antes que tomemos a decisão. Então compramos um sofá que parece nos apetecer, mas ele não será o sofá perfeito - e alguns de nós estamos sempre buscando a perfeição - pois a chance de termos acertado na escolha é de uma em inúmeras. É assim a liberdade.

Isso, é claro, não aplica-se somente a sofas. Você poderia estar fazendo quantas coisas nesse exato momento? Tantas que você não pode sequer numerá-las. Isso te deixa inquieto, indeciso, tenso e você já não sabe mais se deveria estar lendo este texto ou fazendo qualquer outra coisa que sua liberdade permite. A liberdade também oprime. Já o criador de vacas de leite, antes da revolução industrial, tinha muito pouco o que escolher fazer durante o dia. Precisava comer, tirar o leite, deitar-se com sua esposa, vez ou outra usar a patente, e dormir. Suas frustrações provinham da morte de uma vaca, ou de algum parente, mas muito raramente de uma decisão que precisou tomar, e de se aquela decisão era ou não a melhor a ser tomada.

A próxima revolução do indivíduo - não falo de uma revolução social - talvez seja a revolução do imperfeito sobre o ideal. Neste dia, todos os sofás serão perfeitos, simplesmente porque será insensato admitir a hipótese de que possa haver tal coisa como um sofá perfeito. E para compreender esse novo paradigma, nos será exigida uma característica - hoje marginalizada - que nos libertará deste e de outros delírios: A simplicidade.

Hoje estamos sendo massacrados por todo o tipo de violência psicológica que pode-se imaginar. Nos pegamos lendo um livro e, de repente, aquele livro parece ser algo como uma perda de tempo, pois devem haver tantos outros livros melhores. Nos pegamos vendo um filme e, de repente, ele nos parece muito longo, e não queremos perder tempo, talvez poderíamos estar fazendo algo melhor. Então quando percebemos - e alguns de nós nunca perceberão - estamos sempre saindo de um lugar para outro que nos parece melhor. Não paramos mais. Não ficamos onde estamos. Não olhamos a paisagem. Não olhamos para nossa mulher e vemos como ela é linda e jovem. Não nos olhamos no espelho e vemos como somos; quem somos. E isso tudo deixa de ser apreciado; pois se esquece que nada disso é eterno, e que o lugar para onde estamos indo não é melhor do que o lugar em que estamos.

A simplicidade encontra-se, hoje, na latrina do mundo. Neste exato momento o simples é o underground. O simples é a contra-mão do mundo. Subverter o mundo contemporâneo é parar, ler um poema e chorar.

Delírios

Preocupados demais com o noticiário, com o vesutário, o salário e com os prováveis - e os incontáveis improváveis - destinatários das suas próprias vidas, perderam as horas. Preocupados, então, com o relógio - esta verdadeira máquina mortífera - perderam a conta das horas que perderam enquanto faziam as contas das horas que ainda tinham. Viram, assim, o tempo os fatiarem em mais de mil pedaços, que se perderam entre as cores e as formas que estampavam o tapete da sala. O toque da campainha os apunhalou a mente. Trazendo-a forçosamente para a frieza da realidade, que te obriga a atender campainhas - com certa pressa até, por vezes. Era a pizza. Preocupados, agora, com a quantidade de pedaços de cada sabor que cada um poderia comer, deram novo deleite às suas mentes que estavam sempre salivando por algum tipo de problema para manterem-se barulhentas - falando sozinhas sem parar - pois essa era sua sina. Assim como os Pandas - e todos os herbívoros - precisam estar sempre comendo, a mente precisa estar sempre fazendo barulho... Pois quando ela se cala, ela morre.

Opressão

O mundo te quer; dirão.
Quer que andes, vejas, sejas...
Quer que vivas!

O mundo me tem; direi.
Mas quer que eu me torne.
E isso, não posso fazer por ele.