Um diálgo, caso lhe apeteça.


- O mundo vai mesmo acabar ao final do ano?
- E do que lhe serve isto?
- Isto o quê?
- Esta informação.
- Julgo ser algo que valha a pena saber.
- É compreensível. Pois bem, sim. O mundo vai acabar.
- E como vai ser?
- Mas que diferença faz? Agora quero esclarecimentos.
- Ora, se eu estivesse lá eu gostaria de saber como eu... você sabe... iria pfff ... sumir do mapa. Entende?
- E você estará lá?
- Não, mas... Ora, mas qual o problema de se ter um pouco de curiosidade?!
- Nenhum. Bastava ter dito que apenas estava curioso.
- Tudo bem. Estou curioso!
- Estou pensando em alguma coisa clássica... Meio retrô. Sabe como é? Tipo uma explosão, ou coisa do tipo.
- Explosão?
- É. Sabe? Com fogo e aquela coisa toda que eles já estão habituados a ver no cinema com o Vin Diesel.
- Mas... de novo?!
- Entenda que não tenho a intenção de surpreendê-los. Desta forma acabaria com tudo sem tirá-los de dentro da sua zona de conforto.
- Isso sim é o que eu chamo de misericórdia!
- Você me conhece, Gabriel.
- Ô! Mas... Senhor... se me permite, gostaria de dizer que fico um pouco magoado com esta situação.
- Mas que situação, homem?
- Sabe, é fim do mundo...  e eu, como anjo da morte, não pude nem dar uns pitacos?
- Mas era só o que me faltava... É um presente, Gabriel. Não posso sair por aí pedindo a opinião de todo anjo com quem topo.
- Presente?!
- É. Maria veio dizer que Jesus quer isso aí de Natal. O que eu vou fazer? O muleque é doido.
- Como é que um pai dá um presente desse pro filho?
- Eu nunca paguei a pensão, né Gabriel? Tu sabe disso daí... Aí ela fica me jogando isso na cara quando o guri quer alguma coisa. Eu tenho o coração mole. Não avisei Noé do dilúvio aquela vez? Você sabe como eu sou...
- Um poço de misericórdia e blábláblá... sei bem a ladaínha...
- E depois eu nunca bati com o santo do moleque quando ele tava lá embaixo. Agora eu tento agradar né?!
- Convenhamos que você nem precisa dizer que não batia com o santo né... Batia com os pregos mesmo!
- Já combinamos que não vamos tocar no assunto da cruz e tal, não foi?
- Não sei o quê você tenta esconder, homem! É a parte mais famosa do livro.
- Ah! Eu já te disse que aquilo lá é  um melo-drama barato. Não sei como as pessoas caem nessa ainda.
- Pobre Emanuel!
- Olha, mas bem no fundo ele mereceu. Ficava saracoteando pra lá e pra cá, fazendo arte, brincando de ser o Harry Potter. De certa forma ele marginalizou a minha divindade. Eu não curti isso aí.
- Posso compreender. Mas não precisava ter deixado essa parada da cruz rolar né? Custava descer ali dez minutos e dar umas palmadas no menino?
- Eu fiz uma promessa pra mim mesmo, que nunca mais ia dar rolé na Palestina depois daquela noite que tomei uns vinho estranho e fui parar na cama daquela nazarena. Fiquei ressabiado.
- Muito racional da sua parte.
- Vamos mudar de assunto que o Zé tá vindo aí...
Às vezes o fato de, vez ou outra, eu preferir ver o mundo queimar do que ver o mundo florir, me intriga. E me coloca no centro do vórtice da contradição. Pois eu, aqui onde me encontro, nesta fração de espaço, tempo e pensamento, preciso acreditar que o melhor é que tudo floreça. Mas às vezes não vejo sentido em coisas que dão certo. Não em todas as coisas que dão certo, apenas nessas coisas que a gente acredita que precisam dar certo e acaba fazendo com que, de certa forma, mesmo que dêem completamente errado, e nos frustrem, e nos deixem tristes e doentes, pareçam que deram certo. Gosto quando as coisas dão certo sem nem a gente saber que deram, ou como deram. E gosto, também, quando tudo que é podre e cheio de mentiras deslavadas, pega fogo e vira, ou cinza, ou fumaça.

Por isso me intriga o ser humano, este bicho que não entende porra nenhuma de nada, mas adora julgar tudo o que os seus olhos vêem baseado em seu código de ética, seus valores morais, e sua vaidade que é, geralmente - salvo raríssimos casos - maior do que ele próprio. Este ser que vive em meio ao caos interminável e indecifrável da existência, mas anda pelas ruas como se tivesse o controle de todas as forças que agem sobre ele, como se determinasse o modus operandi do acaso. Mas na verdade, é só mais um idiota que age sempre com um utópico senso de imortalidade.