O juri considera o réu culpado

Essa loucura que é a inconstância é o que me mata; é o que acaba comigo; me corrói por dentro como se fosse uma traça tocada pelo demônio. Num dia somos anjos, n'outro, quando damo-nos por conta, tornámo-nos cães da rua; chutados na cara e, por isso, consumidos pela raiva. Minhas mãos estão pesadas, e molhadas de um suor frio. Meu cérebro parece estar grudado na testa, que pulsa e dói. O estômago esguicha jatos latentes de ácido clorídrico, como se o corpo achasse que há alguma estrutura, com ligações extremamente complexas, à ser destruída dentro de mim; o ácido sobe pela garganta, e a gastrite se faz presente outra vez. Ontem à noite eu era lindo e fiz olhos se encherem de lágrimas; olhos aos quais declarei gostar da companhia. Hoje pela manhã fiz exames de sangue, toquei guitarra e tomei leite; me tornei, também, feio. Hoje à tarde fumei mais, tomei mais café, fui ao plano de saúde, depois liguei para clínicas de psicologia, e depois fiquei calculando juros de consórcios imobilários; hoje à tarde, também, me tornei uma péssima pessoa, uma má companhia, e me senti culpado por isso. Hoje à noite, porém, provavelmente serei inocentado de todos os delitos, que nem mesmo eu sei que cometi, mais uma vez. A inconstância dos dias, das pessoas, e dos sentimentos, que é capaz de transformar banana em dinamite, é a mesma que transforma carvão em diamante.