Pão com manteiga  

     João morreu ontem na padaria; ou na banca; não lembro bem. João levou um tiro na cabeça. O padeiro/jornaleiro chamou a ambulância, porque é o que se faz quando a cabeça de alguém explode na sua frente e mancha de vermelho a sua cara, sua camisa branca, que você ganhou de dia dos pais, e seu pão/jornal. João tinha dinheiro na poupança, usava aliança de ouro, estava terminando de pagar o financiamento de alguma coisa cara que tinha importância pra ele, e tinha, também, fome; ou vontade de ler, afinal estava na padaria/banca. Pobre João; tinha seguro de vida, acredita? Pois é. Pelo menos, agora, graças ao seguro de vida do João, sua mulher será poupada de escolher um caixão, ou a decoração do velório. Segundo o padeiro/jornaleiro, é fato que o caixão estará fechado.
     João morreu ontem. Acabo de me lembrar que foi na padaria; não na banca. Porque João era cego; e, também, porque o jornaleiro foi quem atirou na cabeça de João. Cego e azarado; morreu só porque o padeiro, italiano safado, comeu a mulher do jornaleiro. Aí já viu, o jornaleiro não gostou nada dessa história de outro macho entrar no seu território e fornicar com a sua fêmea, e meteu bala na padaria; assim mesmo, sem dó. Isso acontece na selva o tempo todo. Mas o padeiro nada sofreu, até porque está escrevendo aqui, bem
vivinho da silva. Pobre João, só queria comer pão fresco com café e manteiga.