Tic-Tac



          Ao passo do instante, que se move numa dança vertiginosa, e com esse rodopio, lento e eterno, da terra, todos esses arranjos complexos de carbono e água, como eu e você, andam por aí atarefados com alguma coisa que julgam ser vital, baforando seus problemas num circo, onde aquele que tiver a história mais triste pra contar é considerado o melhor dos palhaços. Triste vida a do homem que, para não aceitar sua condição de vagabundo, sem dever algum no mundo, à não ser aproveitar o tempo, cria situações problemáticas pra se entreter, e depois canta ao mundo que tem sofrido as pencas com esses problemas, e isso o satisfaz.
          E assim vão girando os ponteiros, e o tempo continua no mesmo passo firme, sempre. Ah, o tempo; Essa lixa! Tudo apodrece e se desgasta com o atrito com o tempo, inclusive o relógio, e seus ponteiros. Passam-se anos, décadas, morrem homens aos milhares, lutando em guerras que não são suas, movidos por um patriotismo imbecil, que surge da manipulação em massa desde à infância, e morrem também, como um cara que conheci, afogados com uma ervilha. E mesmo assim, engasgando-nos com ervilhas, achamos que somos especiais e que temos algum tipo de dignidade.
          Aceite sua condição de inútil, não ache que o mundo vai sentir sua falta. O tempo é o senhor de tudo, deixa você escrever sua história na areia da praia mas, na mesma noite, com uma onda sutíl, ele te apaga. Seja lá qual tenha sido o tamanho de sua obra. É assim, o papel é maior que a sua letra, e a borracha também.
          Enquanto escrevo estou vivendo, e morrendo, ao mesmo tempo. Nunca estive tão perto da morte quanto estou agora, como alguém já disse. Tudo, desde de o seu corpo até o que você comprou na liquidação e o que ganhou de natal, tudo será devolvido ao universo do jeito que veio, em pedaços, em átomos e moléculas, carbono e água, quando assim o tempo quiser. Sua vida é o que acontece entre o tic e o tac.