Quais mãos te moldaram?


          Sou de argila, não sou nada. Mas é exatamente na minha condição de nada que está o potencial pra ser tudo. Qualquer coisa! Que mãos vão me dar forma? Vou ser vaso de flor, ou cinzeiro de bar? Queria eu mesmo me moldar, mas não sei. Ao menos, não agora. Talvez um dia eu saiba, mas aí o barro já vai estar seco, e vão haver uns trincos aqui e ali... Afinal as mãos que moldam são as mesmas que te derrubam de cima da mesa e te fazem em cacos. Mas são, também, as mesmas que te colam.
          Sou a pureza, sou a água da chuva que subiu purificada e, agora, volta leve, em gotas, do céu pra virar rio. Mas já posso sentir o tempo chegando à passos lentos, com um pincel em uma mão e uma lata de óleo escuro na outra, pronto para sentar-se confortavelmente às minhas margens e ficar ali, molhando o pincél no óleo, e respingando em mim, sem a menor pressa. Talvez pra me admirar e não perceber o quanto a àgua vai apodrecer e ficar escura. Mas no fim virá o sol, pra me tirar do lodo, e me levar às nuvens de novo.
          Sou a criança, aquela que nasce sem medo, e sente tudo intensamente. Aquela que chora quando tem fome, e que consegue dormir ao som de qualquer canção boba e mal cantada. Aquela que se agarra ao peito da mãe, com toda a pouca força que tem, enquanto mama. Aquela que não sabe o que à aguarda no futuro, e não se preocupa com isso. Aquela que não vive para satisfazer o ego, não aje pelo impulso da ganância, da inveja ou da vaidade, aje porque vive, lindamente, mesmo sem saber se está vivendo ou se está sonhando.