21:23-8

Tenho visto a quantidade e a qualidade das minhas relações interpessoais se estreitarem drasticamente nos últimos tempos; não que eu me encomode com isso; peguei gosto por viver comigo mesmo, e aprendi o valor de ter alguns poucos e bons à minha volta. Tenho pensado, nos poucos minutos que duram o tempo de um cigarro fumado no frio, que o que acaba me afastando das pessoas, e vice-versa, é o fato de que todas se mostram como seres desprovidos de qualquer defeito. Ora, seríamos somente eu e Fernando Pessoa (à quem estou prestes à parafrasear), pessoas vís e errôneas neste mundo? Todos que vejo, andando pra lá e pra cá atarefados com suas vidas, falam como se fossem deuses do mundo; mesmo estando secretamente convíctos, que não o são nem para si mesmos. Àquele que um dia me disser, mesmo que esteja suando álcool (e talvez seja por isso que sinto-me melhor quando não estou sóbrio, mas sim levemente embriagado), que um dia já foi ingênuo, que, por uma vez que fosse, já tenha agido como um completo covarde, que já tenha sido humilhado sem saber como agir, àquele que me disser: "tenho dúvidas!", "tenho medos!", "tenho péssimos hábitos!", à este demonstrarei todo o respeito, amor e simpatia que meu coração puder demonstrar. À este serei grato, indescritivelmente grato, por me fazer sentir vivo, por afastar de mim a solidão, e estreitar, por um momento que seja, o abismo que separa o meu eu, do mundo; por me fazer sentir inocente mais uma vez, por dividir o fardo invisível, porém pesado, da existência comigo. Aos demais, aos cegamente perfeitos, aos demasiadamente convictos, aos que nunca temeram, aos que nunca se acovardaram, aos indestrutíveis, aos que jamais sentiram o gosto da queda, o cheiro do ralo, nunca viram a face da derrota; à estes pequenos espantalhos sem campo, estas raposas sem luar, à estes só posso, e não poderia ser diferente, oferecer meu desprezo, bem como este catarro amarelo que o cigarro forma nesta minha garganta obsoleta, que não cansa de gritar.