Paz
 
Paz?
Não pode haver paz.
Não neste século.
Ou, pelo menos, não essa paz.
É fácil falar em paz antes de se levar um tapa na cara.
É fácil falar em paz antes do seu pai levar um tiro na cabeça.
É fácil falar em paz antes da sua filha ser estuprada por um padre.
Que o acaso o livre disso.
Antes você do que eu.
Mas que o acaso o livre disso.
Mas se não livrar, aí você terá o alvará para falar em paz.
E não vai ser fácil.
Isso, tendo em vista só esse contra-ponto da paz.
Que é a violência.
Mas ninguém pode estar em paz nesse mundo.
Não dependendo do relógio, do cartão de crédito e da geladeira.
Não.
De que entendemos, nós, de paz?
Nós.
Hipócritas.
Pseudo-vivos.
Falsos-humanos.
Cidadãos. Direito e deveres. Que babaquice.
Escritores que garimpam no asfaldo à procura de palavras.
Atores esmiuçando obras de séculos passados à procura de futuro.
Músicos. Quê músicos?
Nós sofremos da pior das pestes e pragas que já assolaram a Terra.
Sofremos do pior dos cânceres.
Do pior dos sofrimentos.
Sofremos sem ter do que sofrer.
Mais.
Sofremos por não ter do que sofrer.
Somos a mentira.
A geração inútil.
O tempo perdido.
Para o acaso, um descaso.
Para o tempo um atraso.
E Deus, de nós, faz pouco caso.
Predadores de meia tigela.
Sem presas, sem garras, sem asas.
Nos gavamos do cérebro.
Mas nos cagamos de medo usá-lo.
Peixe de aquário que, no relfexo, pela difração
se vê tubarão.
Tubarão que se afoga em mar raso.
Pá furada.
E falamos em paz.
Que venha o caos, irmãos.
Então, depois, falaremos em paz.