Sonho é destino – Parte VIII

Na visão de mundo atual, a Ciência tomou o lugar de Deus mas alguns problemas filosóficos ainda nos perturbam. Livre-arbítrio, por exemplo. Esse problema está na praça desde Aristóteles, em 350 a.C. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino questionavam "como sermos livres se Deus já sabe tudo o que iremos fazer?" Hoje, sabemos que o mundo é regido por leis físicas fundamentais. Essas leis regem o comportamento de cada objeto do mundo. Como essas leis são confiáveis, elas viabilizam avanços tecnológicos. Nós somos sistemas físicos. Arranjos complexos de carbono e de água.Nosso comportamento não é exceção a essas leis. Logo, se é Deus programando isto de antemão e sabendo de tudo ou se são leis físicas nos governando, não há muito espaço para a liberdade. Pode-se querer ignorar o mistério do livre-arbítrio. Dizer: "É uma anedota histórica, uma inconsistência. É uma pergunta sem resposta. Esqueça isso." Mas a pergunta permanece. Quanto a individualidade, quem você é se baseia nas livres escolhas que faz. Ou pelas quais se responsabiliza. Só se é responsabilizado, ou admirado, ou respeitado pelas coisas que se faz pela própria escolha. A pergunta retorna sem cessar e não temos uma solução. Decisões podem parecer charadas. Imagine só. Há atividade elétrica no cérebro. Os neurônios disparam enviando um sinal através dos nervos até os músculos. Estes se contraem. mas cada parte desse processo é governada por leis físicas, químicas, elétricas etc. Parece que o Big Bang causou as condições iniciais e todo o resto da História humana é a reação de partículas subatômicas às leis básicas da física. Nós achamos que somos especiais, que temos alguma dignidade. Isso agora está ameaçado. Está sendo desafiado por este quadro. Você pode dizer: "E quanto à mecânica quântica? Conheço o bastante para saber que é uma teoria probabilística. É frouxa, não é determinista. Permite entender o livre-arbítrio." Mas, se olharmos detalhadamente, isso não ajudará porque há as partículas quânticas e o seu comportamento é aleatório. Elas são meio transgressoras. Seu comportamento é absurdo e imprevisível. Não podemos estudá-lo com base no que ocorreu antes. Ele tem um enquadre probabilístico. Será a liberdade apenas uma questão de probabilidade? Aleatoriedade em um sistema caótico? Eu prefiro ser uma engrenagem em uma máquina física e determinista que uma transgressão aleatória. Não podemos ignorar o problema. Temos que incluir pessoas nesta perspectiva. Não apenas corpos, mas pessoas. Há a questão da liberdade, espaço para escolha, responsabilidade, e para entender a individualidade. 

Fonte: Waking Life (2001)