O doce cheiro de gás lacrimogêneo



Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.
- Bertolt Brecht

Talvez simplesmente não estejamos prontos para assimiliar o que está ocorrendo no Brasil nos últimos dias. Quem sabe pelo fato de estarmos alienados, acomodados, ou como diziam alguns manifestantes "deitados eternamente em berço esplêndido", ou como disse a minha mãe "acostumados a abaixar cabeça". Talvez não tenhamos compreendido a força que a comunicação tem nos dias de hoje. Nunca foi tão fácil mobilizar o mundo inteiro sem sequer abrir a boca; sem se quer precisar de caneta ou papel. Talvez não compreendamos por inteiro toda a opressão que sofremos diariamente. Ou pior, talvez estejamos acostumados com a opressão, como o gado que pasta tranquilo esperando o abate. Talvez nossa necessidade de procurar mocinhos e vilões nos atrapalhe nesta busca por compreender quaís, de fato, são as origens da opressão. Seria Dilma Rousseff o maior agente opressor da sociedade? Fosse Serra o presidente tudo estaria bem? Não podemos ser ingênuos. O problema é muito maior do que qualquer fantoche escolhido, quase que aleatóriamente, a cada dois anos, pela ilusão de democracia nos oferecida pelo ato rídiculo do voto. Talvez um dos grandes problemas esteja agora sendo imperceptivelmente resolvido: O fim da omissão do tão famigerado povo.

Trecho adaptado do filme V de Vingança:
"Boa noite, brasileiros. Permitam que eu peça desculpas pela interrupção. Eu, como muitos de vocês, aprecio o conforto da rotina diária, a segurança familiar, a tranquilidade da repetição. Eu gosto delas como qualquer outro. Mas no espírito da comemoração, onde importantes eventos esportivos estão ocorrendo, ou prestes à ocorrer, eu pensei em marcar esta data, tomando um pouco do tempo de suas vidas diárias para sentar e conversar. Existem, é claro, aqueles que não querem que falemos. Desconfio que ordens estejam sendo dadas e homens com armas já se ponham a caminho. Por que? Porque enquanto a violência for usada no lugar do diálogo, palavras sempre terão seu poder. Palavras oferecem um meio pro significado e praqueles que escutam a enunciação da verdade. E a verdade é que existe uma situação totalmente errada neste país. Não existe? Crueldade e injustiça. Intolerância e opressão. Onde um dia houve o direito de discordar, de pensar e falar como se desejasse, agora temos sensores e sistemas de vigilância forçando-nos a nos conformar solicitando nossa submissão. De quem é a culpa? Com certeza existem aqueles que são mais responsáveis do que os outros e eles vão ter que prestar contas. Mas verdade seja dita, se procuram por culpados só precisam se olhar no espelho. Eu sei por que fizeram isso, eu sei que têm medo, quem não teria? Guerra, terror, doenças, havia uma miríade de problemas que conspiraram para corromper a razão de vocês e tirar de vocês o bom senso. O medo guiou suas ações e em seu pânico vocês confiaram no Palácio do Planalto. Eles lhes prometeram ordem; eles lhes promeram paz; e tudo o que eles exigiram em troca foi consentimento silencioso e obediente. Nestes últimos dias eu tentei romper este silêncio. Nestes últimos dias eu fui às ruas e protestei, para fazer este país lembrar de tudo o que ele se esqueceu. Há muitos anos estamos calados, e agora precisamos resgatar em nossas memórias a idéia de que igualdade, justiça e liberdade são mais do que palavras, são perspectivas. Se vocês não veem nada; se os crimes deste governo ainda lhe são desconhecidos; eu sugiro que deixem esta oportunidade única passar em branco. Mas se vocês veem o que eu vejo; se sentem o que eu sinto e se buscam o que eu busco, então peço que fiquem junto a mim, hoje, no lado de fora de suas casas, peço que dêem um passo além da sua zona de conforto, e juntos, daremos à eles um dia que nunca - nunca - esquecerão!"