Um estrondo e cacos voando fizeram com que caísse, das alturas dos seus pensamentos (não tão altos assim), sentado no banco do carro. Já estava quase no trabalho e não tinha sequer se dado conta, até que um acidente de trânsito o sugou para a realidade. Acordou, beijou o mulher, disse bom dia/te amo/qualquer-coisa-dessas-razoáveis, lavou o rosto, lavou os dentes, mijou, colocou o pau pra dentro da calça, aquela última gotinha molhou sua cueca, saiu sem tomar café como de praxe, ligou o carro, ligou a música, abriu o portão, fechou o portão... Mas não notou nada disso. Porque era o que fazia sempre, desde que se lembra. Na verdade nem lembra, nem pensa, nem importa. Mas era o que fazia e faria. Sabia disso, mas não pensava, não importava. Importar até importava, mas não pensava.
Passou lentamente pelo acidente. Não por segurança, mas porque queria ver. É bom ver acidente. Ele gosta. Passou pelos carros batidos, ninguém morto. Acelerou um pouco mais porque precisava chegar ao trabalho logo e contar para as pessoas. Era um homem de sorte, havia visto um acidente. Algo havia acontecido em sua vida. E não foi meramente "passar por um acidente", ele viu, na hora que aconteceu! Diria "Eu vi bem na hora!" Que dia, amigos! Que dia!