Sentado no sofá, na sua hora e quinze de intervalo, puxou o jornal dobrado sobre a mesa. Não costumava fazê-lo, achava enfadonho o ato de ler jornais. Afinal não havia ali nada, senão notícias, coisas que aconteceram ou que provavelmente aconteceriam. De que lhe servia isso? Se dois desconhecidos haviam batido o carro e morrido, ou não. E se fossem conhecidos, também, de que lhe adiantaria saber? Em meia hora havia de bater o ponto e voltar ao labor escroto que pagava suas contas. Após o fim da jornada havia de correr até a lotérica pagar algumas delas, inclusive. De que lhe adiantava saber se a gasolina ia subir, ou quem estava na frente na corrida política? Se havia de subir, que subisse. Quem houvesse de vencer, que vencesse.
Mesmo assim, movido pelo tédio inabalável que por vezes o arrebatava, abriu o jornal, num ato estúpido, de tão inconsciente.
Havia uma notícia sobre um menino sírio que foi encontrado morto numa praia na Turquia. Seus pais estavam fugindo da Síria e o barco afundou. Até aquela notícia o oprimia, pois não podia sentir-se um pobre diabo, como estava habituado a sentir-se. Afinal, ele estava ali, sentado, empregado, lendo um jornal, enquanto pessoas perdiam seus filhos afogados na tentativa de fugir da guerra e levá-los para algum lugar seguro num ato intenso, real, de desespero e coragem.
Pobre dele. Estava morto. Inerte. Não o deixavam sequer achar sua vida um lixo. E ele próprio não conseguia ver nela nenhum fio de brio e privilégio.
Não pode haver paz dentro de tamanho absurdo e de tão implacável pacatez.