O sofá. |
Salvador Dali escreveu que a melhor coisa que lhe ocorreu foi ter ido para a prisão. Pois lá ele foi privado da liberdade, lhe foram impostos limites e ele não precisava mais decidir se ia ler um livro, escrever um poema, pintar, ir ao teatro ou sair com alguma moça.
Em meio ao infinito, perde-se o homem contemporâneo. Nunca o infinito se fez tão claro. Todas as possibilidades são tão nítidas, que parecem ser todas palpáveis. O impossível nunca fora tão possivelmente possível. E o inalcançável parece estar sempre logo ali. E inserido em um meio tão sem limites, tão cheio de escolhas, o homem encontra-se agora em uma situação a qual não teve tempo para se habituar. Ele está mais próximo do que nunca da imagem que o consciente coletivo tem de liberdade.
Ao passo em que o mundo torna-se um lugar cada vez mais pequeno, e que nada mais parece ser utópico, mas sim possível, as infinitas possibilidades fazem cada escolha ser mais difícil, pelo fato de que quanto mais possibilidades, maiores as chances de cometermos erros, e por conta deles, nos frustrarmos.
Há algumas décadas, se precisássemos, digamos, de um sofá, compravamos, portanto, um sofá. Talvez houvessem cinco ou seis tipos de sofá disponíveis, então a chance de comprarmos o sofá perfeito era de uma em seis. Hoje, se precisarmos de um sofá... Bem, vamos acabar nos frustrando, pois existem infinitas características, diversos fatores e inúmeras decisões implícitas no ato de se comprar o sofá; e é impossível que analisemos todas as possíveis variáveis antes que tomemos a decisão. Então compramos um sofá que parece nos apetecer, mas ele não será o sofá perfeito - e alguns de nós estamos sempre buscando a perfeição - pois a chance de termos acertado na escolha é de uma em inúmeras. É assim a liberdade.
Isso, é claro, não aplica-se somente a sofas. Você poderia estar fazendo quantas coisas nesse exato momento? Tantas que você não pode sequer numerá-las. Isso te deixa inquieto, indeciso, tenso e você já não sabe mais se deveria estar lendo este texto ou fazendo qualquer outra coisa que sua liberdade permite. A liberdade também oprime. Já o criador de vacas de leite, antes da revolução industrial, tinha muito pouco o que escolher fazer durante o dia. Precisava comer, tirar o leite, deitar-se com sua esposa, vez ou outra usar a patente, e dormir. Suas frustrações provinham da morte de uma vaca, ou de algum parente, mas muito raramente de uma decisão que precisou tomar, e de se aquela decisão era ou não a melhor a ser tomada.
A próxima revolução do indivíduo - não falo de uma revolução social - talvez seja a revolução do imperfeito sobre o ideal. Neste dia, todos os sofás serão perfeitos, simplesmente porque será insensato admitir a hipótese de que possa haver tal coisa como um sofá perfeito. E para compreender esse novo paradigma, nos será exigida uma característica - hoje marginalizada - que nos libertará deste e de outros delírios: A simplicidade.
Hoje estamos sendo massacrados por todo o tipo de violência psicológica que pode-se imaginar. Nos pegamos lendo um livro e, de repente, aquele livro parece ser algo como uma perda de tempo, pois devem haver tantos outros livros melhores. Nos pegamos vendo um filme e, de repente, ele nos parece muito longo, e não queremos perder tempo, talvez poderíamos estar fazendo algo melhor. Então quando percebemos - e alguns de nós nunca perceberão - estamos sempre saindo de um lugar para outro que nos parece melhor. Não paramos mais. Não ficamos onde estamos. Não olhamos a paisagem. Não olhamos para nossa mulher e vemos como ela é linda e jovem. Não nos olhamos no espelho e vemos como somos; quem somos. E isso tudo deixa de ser apreciado; pois se esquece que nada disso é eterno, e que o lugar para onde estamos indo não é melhor do que o lugar em que estamos.
A simplicidade encontra-se, hoje, na latrina do mundo. Neste exato momento o simples é o underground. O simples é a contra-mão do mundo. Subverter o mundo contemporâneo é parar, ler um poema e chorar.