As mentiras que contamos



"Sem as pequeninas hipocrisias mútuas, tornar-nos-íamos intoleráveis uns para os outros." (Emanuel Wertheimer)

O humano é um ser mentiroso. Mas a palavra mentira traz sempre um peso terrível consigo. Tem uma imagem de maligna, diabólica; coisa de dissimulados. Existem os que mentem para os outros, e os que mentem para si. Ora, o que há de diabólico em dizer a uma viúva "se precisar de alguma coisa... Qualquer coisa..." mesmo sabendo que ela não vai pedir, e você também não está assim tão disposto a ajudá-la em qualquer coisa que ela necessite. Mas é educado. É reconfortante. Faz bem à ela. Proteje-a. À dá segurança em um momento tão difícil. E é mentira, muitas vezes. Somos todos mentirosos. Todos! Se você não aceitar essa premissa, está no grupo dos que mentem para si. E aí reside uma tremenda dor, tremendo sofrimento, pois é viver no real e acreditar na fábula.

Encarar a realidade como ela é de fato, é uma tarefa triste. Pois a realidade é cheia de tristeza, de incerteza, de insegurança, medo e um monte de merda que fede o tempo todo e em todo o lugar. Pare e sinta o cheiro. É merda cara, merda por todo lado. Mas a partir do momento em que você para e começa a sentir o mundo, sentir como as coisas são inevitavelmente imperfeitas - e as pessoas são mestres nisso, em serem imperfeitas mas pregarem e crerem em uma perfeição utópica - sente-se uma leveza, ouve-se um sussurro gostoso que diz "tudo está bem", e toda aquela merda já não fede mais tanto assim. Ela ainda está lá, e sempre estará. Nós a colocamos lá. Agora cabe à nós aceitá-la como parte do que é e conviver com isso. O erro está em negá-la. Em recusá-la. Em fechar o nariz com a ponta dos dedos e fingir. Mentir para si. Todo mundo já acreditou e viveu na sua bolha de vidro, no seu mundinho perfeito, esférico, sem vétices, sem cantos, sem espaço para o torto, o imperfeito. Mas é tão bom libertar-se. Liberta-se da necessidade de entender, e passar a aceitar. Eu não sou nenhum buda, não falo do alto de uma montanha com tábuas na mão. Quem dera. Sou um coitado! Sou, também, só mais um desses infelizes. Que sofre. Que ama. Que flutua em tão variada gama de sentimentos. Tenho todos os defeitos que se pode ter, e sei que você que me lê os tem também. Cabe a nós nos perguntar, seriam eles então defeitos? Ou apenas todas características comuns de uma raça doente que criou valores utópicos e padrões de perfeição igualmente utópicos nos quais não consegue se enquadrar?

As pequenas mentiras, omissões, hipocrisias e falsidades são o que salvam o ser humano do genocídio.

Triste daquele que acredita viver no castelinho de cristal, onde os dias sempre tem cor, e a escuridão nunca prevalece. Será um dia salvo pelo príncipe que virá montando um unicórnio alado.

Serenidade e compreensão bastam para se poder aceitar o mundo do jeito que o fizemos.