Sólo una escena (5)
O seu Pedro é comovente, o senhor não acha? Está sempre de mal com o mundo, com seus labores cotidianos. Como se o mundo estivesse aqui, somente à espera do anúncio da parteira: "É um menino!" Para começar a girar, fazer a chuva molhar o trigo, o padeiro sovar o pão e mamãe cortar fora as cascas para servir Pedrinho só de miolo de pão e manteiga. Sonhara, pois, alto demais este infeliz. O senhor não acha que seria de grande valia que um homem deste levasse uma surra? Conheço uns camaradas que poderiam lhe arrochar por quase nada; talvez até algumas garrafas de vinho lhes servissem. O quê? O senhor acha demais? Tudo bem, há pessoas com muita paciência nesta cidade, pelo que pude perceber desde que me instalei. Talvez seja pelo frio que faz aqui. No norte não há como haver paciência, amigo. Já se está todo suado sem nem se mexer, não custa nada uma duzia de coices em algum destes infelizes. Mas não quero que o amigo pense que sou um homem violento; apenas me incomodo com estes seres. Imagine o senhor que estando todos felizes e embriagados ontem na taberna, entra este senhor, senta-se ao meu lado e me questiona:
- Meu senhor, diga-me, por quê a vida nos dá tantos desprazeres?
Ora, diga-me o senhor se tenho, eu, cara de quem tem a resposta para uma pergunta impertinente como esta?
- Desconheço o fato de que a vida nos dá ou nos tira alguma coisa.
- Como pode pensar tal coisa? Bebeste além da conta, suponho.
- Fique o senhor sabendo que bebi o suficiente para manter meu discernimento e ainda aumentar minha lucidez.
- E como pode o álcool aumentar a lucidez?
- Da mesma forma que uns bons sopapos podem aumentar a percepção de inconveniência.
Dito isso ele se retirou, como eu esperava. Infeliz e covarde. Que belo exemplar de ser humano, o senhor não acha?